A atriz e produtora brasileira-americana Bia Borinn integra o elenco da nova série The Gringo Hunters, criação dos mesmos produtores de Narcos que estreia na Netflix em 9 de julho. Na produção baseada em fatos reais, que inverte a lógica da imigração ao mostrar mexicanos caçando americanos ilegais, Borinn dá vida a uma personagem ainda envolta em mistério. Radicada há dez anos nos Estados Unidos, a artista, formada em Artes Cênicas pela USP, aproveita o papel para levantar discussões sobre imigração, representatividade e estereótipos latinos em Hollywood, consolidando seu espaço em grandes produções internacionais.
“The Gringo Hunters” inverte uma narrativa historicamente dominante. Como foi para você, como atriz brasileira vivendo nos EUA, fazer parte de uma trama que desafia a lógica da imigração tradicional?
Em primeiro lugar, estou superfeliz por fazer parte de uma série desse porte, que envolve produtoras grandes como a Red Run, a Imagine e a Woo Films, sendo que a Red Run já fez Narcos México. É a minha primeira série internacional de televisão, então estou muito feliz. Para mim, é muito bacana fazer parte de uma produção que inverte a lógica do que costumamos ver, porque estamos precisando olhar pelos olhos dos outros. Vivemos um momento de muita divisão, e quanto mais conseguimos inverter as narrativas — não no sentido de distorcer, mas de se colocar no lugar do outro —, mais nos aproximamos. E é isso que Gringo Hunters faz: mostra uma inteligência policial mexicana caçando criminosos americanos que atravessaram a fronteira para o México, e não o contrário, como geralmente vemos. Estou muito orgulhosa e feliz por participar desse projeto.
Você descreve sua personagem como “surpreendente e carregada de simbolismo”. Que tipo de impacto espera causar com essa atuação, especialmente no atual contexto político dos Estados Unidos?
A minha personagem, a Orla, é carregada de mistério. Não posso falar muito porque ela não é recorrente em toda a série, aparece apenas no episódio 4, então não quero dar spoiler. Mas foi interessante o processo de construção: ela não é mexicana, então precisava ter um sotaque diferente e uma fisionomia indefinida, que não deixasse claro de onde vinha. Como atriz brasileira, falo espanhol, mas não com sotaque americano nem mexicano. Minha aparência também contribuiu: tenho raízes em Portugal e Itália, o que me dá um visual mais europeu, embora seja uma atriz latina. Isso serviu muito bem para a personagem. Geralmente, Hollywood gosta de colocar o ator em uma “gaveta”, o que comigo é difícil, porque sou uma atriz latina que fala português, tem traços europeus e fala espanhol com sotaque próprio. Essa complexidade funcionou perfeitamente para a Orla, e foi uma surpresa maravilhosa para mim.
Em termos políticos, isso também mostra como as pessoas são diversas. Quanto mais tentamos encaixá-las em rótulos, mais reduzimos. A Orla é uma personagem complexa, assim como eu sou uma pessoa complexa — como todos nós somos. Quanto mais abrimos o olhar para essa complexidade e para os paradoxos humanos, mais difícil é julgar. Isso tem muito a ver não só com o contexto político dos Estados Unidos, mas também do Brasil e do mundo em geral.

Atuar em espanhol, sua terceira língua, e com dois coaches renomados foi parte de um processo intenso. Como essa preparação transformou sua conexão com a personagem?
Atuar em espanhol foi meu primeiro trabalho na televisão nessa língua. Já tinha feito outras coisas, mas não uma série desse porte, então me preparei bastante. Atuar em uma terceira língua exige improviso, e eu quis estar pronta. Tenho aulas de espanhol e trabalhei com um coach, Eduardo Milevics, argentino, que me ajudou muito. Também conversei bastante com Milton Justice, que foi braço direito de Stella Adler, sobre análise de roteiro e sobre a função da personagem na história. Apesar de aparecer apenas em um episódio, ela tinha uma profissão e características muito específicas, ligadas a yoga, e precisei me aprofundar nisso. Entre a aprovação no teste e as gravações, tive cerca de um mês para me preparar, o que foi essencial. A Orla tem muito a ver comigo, especialmente pela conexão com espiritualidade, mas ao mesmo tempo me desafiou a explorar aspectos novos. Foi um processo muito bacana e enriquecedor.
Você teve que improvisar com aplique e fazer a self-tape por conta própria. Que lição ficou desse processo de seleção — especialmente sobre resiliência e autenticidade como artista?
Quando recebi o teste, percebi que o cabelo da personagem era muito importante. Sempre tive cabelo curto, mas comprei um aplique e, quando coloquei, senti que aquilo mudava a minha postura, quase como uma coroa. Eu valorizo muito preparação: gosto de aulas, coaches e informação. Mas também acredito na intuição e na experimentação. Lembro de ter ouvido uma atriz dizer que deixou de ver os testes como “testes” e passou a encará-los como apresentações — uma oportunidade de mostrar sua visão da personagem. Isso tira o peso e dá mais poder ao ator. Foi com esse espírito que encarei o teste da Orla, e deu certo. Também gosto de apresentar duas versões nos testes, para mostrar flexibilidade e disposição em ser dirigida. Acho que isso é algo que os diretores procuram.

Na série, você contracena com artistas de diferentes nacionalidades. Como essa troca multicultural no set influenciou sua visão sobre o mercado audiovisual latino-americano e suas conexões com o Brasil?
Meu set era pequeno, e atuei principalmente com a Regina, o Manuel e o Andrew. Ele era mexicano-americano; os outros, mexicanos. Mas havia pessoas de várias nacionalidades envolvidas, o que foi incrível. Aprendi que o México tem uma potência audiovisual impressionante: são pessoas criativas, com uma indústria forte, produzindo séries, filmes e curtas sem parar. Isso me surpreendeu, porque sempre pensamos em Hollywood como centro, mas vi que lá não falta trabalho. Isso me deu até vontade de viver e trabalhar no México. Foi muito bacana perceber essa diversidade e ver que, hoje, é possível trabalhar com pessoas de diferentes países, especialmente com a possibilidade dos self-tests. Cidades como São Paulo, Los Angeles, Nova York e Cidade do México reúnem pessoas do mundo todo, e também de várias regiões do próprio país, trazendo ainda mais diversidade.
Você já é uma figura presente na cena artística internacional, mas também se dedica à promoção da língua portuguesa nos EUA. Como enxerga o equilíbrio entre o seu trabalho artístico e o seu ativismo cultural?
Em 2017, fundei a Brazilian Play and Learn, que ensina português e cultura brasileira para crianças, adolescentes e jovens nos Estados Unidos. Após a pandemia, migramos muito para o online, mas o projeto recebeu um prêmio do governo americano através do Latin American Institute da UCLA. Sempre digo que não tem como falar de cultura sem falar de educação — e vice-versa. Acredito que, se crianças brasileiras crescerem nos EUA com senso de brasilidade e domínio da língua, no futuro poderão ser produtores, roteiristas ou showrunners que compreendam o que significa ser brasileiro em toda sua complexidade. Também é uma forma de promover a cultura brasileira internacionalmente, e acho que o governo brasileiro poderia investir mais nisso, como faz Portugal com o Instituto Camões. Embora seja um projeto paralelo — já que sou atriz e produtora —, acredito muito no impacto a longo prazo, não só para a minha geração, mas para as futuras.

Além da Netflix, você também estará na nova série do Ryan Murphy ao lado de Kim Kardashian e Naomi Watts. Como tem sido transitar entre produções tão diferentes e o que podemos esperar de você nessa nova fase?
Participar do piloto de All’s Fair, do Ryan Murphy, ao lado da Naomi Watts, foi uma surpresa maravilhosa. A série estreia em novembro e, embora meu papel seja pequeno, a experiência foi incrível. Em Los Angeles, a competição é enorme, especialmente agora com os desafios dos streamings e da inteligência artificial. Você precisa estar muito preparado. Lembro de pensar: “Tenho um minuto para mostrar que tenho 25 anos de carreira”. E, nesse minuto, é preciso improvisar, conquistar mais tempo de cena e mostrar sua entrega. Existe, claro, o fator sorte, mas também há a importância de fazer muitos testes e criar conexões. Eu amo atuar em séries, mas também não fico apenas esperando convites: produzo meus próprios projetos e parcerias. Sou apaixonada pela independência criativa. Essa experiência, em especial, foi marcante, porque jamais imaginaria contracenar com a Naomi Watts, de quem sou fã. Foi muito especial.
Você será o rosto do pôster oficial do LABRFF este ano. O que esse reconhecimento representa para você, especialmente após tantos anos apoiando o cinema brasileiro no exterior?
O Labriff é uma parceria com a Meire, diretora do festival. Conheci o evento quando meu curta Self, coproduzido com a Duda de Almeida, foi selecionado para a mostra competitiva. Achei o festival incrível: democrático, diverso, com produções de todos os estilos. Aos poucos, me aproximei da Meire, que percebeu meu lado pedagógico com o Brazilian Play and Learn, além do artístico e ativista. Ela me convidou para ser host do festival e, desde então, já apresentei três vezes. Este ano, ela quis me colocar no cartaz, como símbolo da mulher brasileira que desbrava, que mistura a brasilidade com Los Angeles sem abrir mão dos sonhos. É uma homenagem mútua: eu ao festival, e o festival às mulheres sonhadoras. Ser artista, mãe e imigrante é um desafio enorme, mas seguimos firmes. Estou muito feliz em ser host novamente este ano e mal posso esperar pela programação, que estará incrível. O Labriff já tem 18 anos de história e continua crescendo. É uma honra fazer parte disso. Muito obrigada pelo espaço e parabéns pelo portal, que sempre valoriza a diversidade de artistas e notícias.

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