A tradutora Milena Mitkova Mincheva faz sua estreia na literatura com Por Dinheiro e Poder, um thriller eletrizante que escancara as camadas mais sombrias da sociedade contemporânea. A obra acompanha Maksim, um jovem estrangeiro que chega ao Brasil em busca de oportunidades, mas é tragado por uma rede internacional de tráfico de drogas e corrupção. Entre dilemas morais, racismo e chantagens, Maksim luta para reconstruir sua vida e descobrir segredos sobre sua identidade que o levam a uma perigosa caçada pela Europa Oriental.
Você nasceu na Bulgária e construiu uma carreira sólida no Brasil como tradutora forense e juramentada. Como essa trajetória de vida entre diferentes culturas influenciou a criação do Maksim e os conflitos que ele enfrenta em “Por Dinheiro e Poder”?
A criação do Maksim veio como inspiração do meu trabalho como tradutora forense. Ao longo dos anos, eu estava observando as vivências de pessoas na situação de Maksim e suas adaptações em um país estrangeiro, com hábitos e cultura diferentes. Eu pude observar a dificuldade enfrentada por não dominarem o idioma português, que é a primeira barreira a ser vencida, os conflitos internos que carregavam, como culpa, raiva, insatisfação, arrependimento, distância da família e carência. Tudo isso foi estampado em Maksim, que teve que sobreviver em um mundo que nunca imaginou enfrentar e teve que usar a própria inteligência e astúcia para se adaptar no ritmo do submundo.
Seu romance estreia mergulha em temas espinhosos como corrupção, racismo, tráfico de órgãos e lavagem de dinheiro. Como foi o processo de equilibrar essas questões densas com o desenvolvimento de uma trama envolvente e de ritmo acelerado?
São temas espinhosos, porém atuais. Creio firmemente que, quando se escreve e se fala sobre determinado problema que a nossa sociedade atual enfrenta, ele é discutido e solucionado. Tanto a corrupção, quanto o tráfico de drogas e órgãos, lavagem de dinheiro, racismo, alcoolismo entre as mulheres são problemas sociais que não podem ser colocados embaixo do tapete. Todos os dias somos bombardeados por notícias que envolvem, no mínimo, a metade dessas questões que o livro trata.
A descoberta de uma possível ligação entre o protagonista e um mafioso europeu adiciona uma camada extra de mistério à narrativa. Você sempre soube que essa conexão com a máfia faria parte do enredo ou ela surgiu ao longo da escrita?
Na realidade, essa conexão surgiu ao longo da escrita. Enquanto eu estava criando as personagens e as situações em minha imaginação, surgiu a ideia da possível e misteriosa ligação entre Maksim e o desconhecido mafioso. Acho que isso deu mais uma pitada de adrenalina e mistério na trama.
Com sua experiência profissional no universo jurídico, você certamente teve contato com histórias reais de conflito e injustiça. Em que momento você sentiu que precisava transformar parte dessa vivência em ficção — e por quê?
Claro, sem dúvida. Vi muitas histórias e pessoas que viram estatística. O momento oportuno para transformar essa vivência em ficção foi quando percebi que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Esse ditado é atual sobre a questão de tráfico de drogas. Quem paga a conta com a sua liberdade é a pessoa aliciada que virou mula e, na maioria das vezes, sem saber o que vai fazer naquele país estrangeiro. Os aliciadores são pessoas de boa falácia, boas maneiras e educação e é quase impossível de se deduzir pelo aliciado o que realmente o espera fora de seu país de origem. O perfil dos aliciados geralmente é de pessoas humildes que nunca saíram de seu país de origem e são presas fáceis, ou de pessoas jovens e ingênuos, como no caso de meu protagonista, que acreditam facilmente na conversa que promete uma vida e carreira brilhante.

O thriller, por natureza, costuma entreter com tensão e reviravoltas, mas seu livro também provoca reflexões sociais profundas. Você acredita que a ficção pode ser uma ferramenta de denúncia? Que tipo de transformação você espera provocar no leitor?
Sim, acredito que a ficção pode ser tanto ferramenta de denúncia de injustiças sociais quanto ferramenta de manifestação de reflexões sociais. A palavra-chave de transformação seria: indignação. Se refletirmos profundamente sobre cada tema social abordado no livro, o sentimento é de indignação.
Diariamente, milhares de pessoas são vítimas de racismo, e pessoas extremamente capazes e cultos são humilhados por causa da cor de sua pele. Um ser humano não pode ser classificado pela cor da pele, mas por aquilo que é. Enquanto fazemos parte da sociedade, todos somos iguais. Mulheres recorrem ao álcool cada vez mais como refúgio temporário, seja por causa de estresse, excesso de trabalho, responsabilidades diárias ou por ela ser a chefe da família. O pouco consumo diário, depois de um certo tempo, vira o dobro e, de repente, a mulher é totalmente dependente do álcool e já se desencadearam outros problemas. A corrupção por si só é o flagelo de uma sociedade. E as vítimas somos todos nós. Tanto o corruptor, quanto o corrupto colocam o crescimento e a prosperidade de uma nação em desvantagem e declínio.
A figura de Sofia, esposa de Maksim, aparece como um ponto de recomeço, mas também de vulnerabilidade. Como foi para você construir as relações pessoais dentro de um ambiente tão marcado pela violência e desconfiança?
Construir relações pessoais de dois personagens de caráter e índole tão diferentes foi desafiador. São personagens que entram em conflito consigo mesmos ao longo da trama. Sofia sofre um baque muito forte com a perda de sua filha e se refugia no álcool. A bebida se torna sua aliada para superar a dor da perda. Num determinado momento, Sofia é a base de Maksim e vice-versa. Noutro momento, nenhum dos dois se sente mais à vontade com o parceiro. É uma relação de idas e vindas que esfria cada dia mais. Em um determinado momento, nenhum dos dois reconhece o outro.
Em uma frase sua, você diz que “cada personagem teve razões profundas que mexeram com sua essência”. Ao terminar o livro, você sente que também foi transformada por esses personagens e pelas decisões que teve que tomar ao escrevê-los?
Cada personagem fez uma escolha e colheu as suas consequências. As circunstâncias da vida e as situações que tiveram que enfrentar os fez o que são hoje. Eu me sinto transformada depois de cada capítulo. Quando crio cada personagem em minha imaginação, é algo fascinante. Digamos que, após criar cada um, eu me incorporo neles e lhes dou vida. Tudo isso é uma profunda transformação que me fez repensar vários aspectos da vida, como, por exemplo, o ser humano pode complicar a sua própria vida através de uma escolha inocente, digo isso no caso de Maksim. Já no caso do personagem corrupto, se vê claramente como ele gostava de exercer superioridade acima dos outros tão somente para satisfazer o seu ego, seus caprichos pessoais e sua ganância que nunca cessa. Um complementa o outro.
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