José Paulo Alves Fusco explora as nuances da existência em “50 Tons de Vida”

Luca Moreira
12 Min Read
José Paulo Alves Fusco
José Paulo Alves Fusco

Em “50 Tons de Vida”, o escritor e professor José Paulo Alves Fusco conduz o leitor por contos breves, sensíveis e reflexivos que percorrem lembranças, amores, erros e recomeços no “asfalto selvagem” do cotidiano. Inspirado por mestres como Nelson Rodrigues, Rubem Alves e Jorge Amado, Fusco transforma o ordinário em literatura, alternando humor e melancolia em histórias que ressoam como um diário existencial.

Você descreve “50 Tons de Vida” como um rio que corre em direção ao oceano — uma metáfora bonita e aberta. Como foi esse fluxo de criação para você? Em que momento percebeu que essas histórias formavam um todo coeso, mesmo sendo contos independentes?

Meu principal objetivo ao longo de todo o processo de elaboração do livro foi procurar discorrer sobre histórias do cotidiano das pessoas, vida boêmia, contos policiais na grande cidade, que representaram o fio condutor, uma espécie de vertente comum do rio que receberia as diversas narrativas. Apesar de estarem puxadas e direcionadas por esse fluxo comum, são histórias estanques, cada uma delas com princípio, meio e fim, que possibilitam que se leia o livro de acordo com o “apetite” pessoal de cada leitor, mas sem perder o “espírito da coisa”. As sensações podem ser de alegria, desejo de saber o final das histórias, curiosidade, passar o tempo. A maior parte das histórias foram ambientadas em casas noturnas, boates, distritos policiais ou até mesmo em casas de família, apartamentos, para onde nos levavam os personagens em suas andanças.

A obra transita entre o humor e a melancolia, refletindo a dualidade presente em tantas experiências humanas. Como você lida, pessoalmente, com essa alternância de sentimentos — e como isso influencia sua escrita?

Colocando minhas emoções em palavras no papel, apresento nesta obra uma coletânea de “aventuras” vividas no contexto do “asfalto selvagem”, onde perambulam nossos amores e paixões. Vamos nós então, caminhando, tateando meio cegos, abrindo “picadas” na selva, aqui e ali, caindo muitas vezes e nos levantando outras tantas, utilizando o que resta dos nossos sentidos em seus diversos tons, equilibrando-nos nos desejos mundanos que nos atingem.

Ao longo de tal caminho, o que antes era uma visão panorâmica do universo se reduz à próxima esquina mal iluminada, às ruas que se perdem na escuridão das noites mal dormidas, às paredes opressoras de um quarto em completa solidão. O que antes era leveza, de repente torna-se pesado, incômodo, um quadro cinzento e cheio de pontas. Machuca e fere como vidro quebrado nas mãos de um menino.

Para transferir tais pensamentos (e sentimentos), procuro sempre imaginar-me parte do enredo. Narração em primeira pessoa é um artifício que nos permite, muitas vezes, apreciarmos primeiro os fatos vividos na história narrada, aferindo sentimentos próprios com aqueles que estariam sendo ali representados, corrigindo e direcionando o fluxo de emoções. Será que tal desfecho poderia ter sido diferente? A evolução de um dado conflito não está sendo supervalorizado? O que poderiam estar pensando os outros participantes presentes na história? A história sendo narrada faz sentido, tendo em vista a realidade de contexto social onde tudo acontece?

Você transforma o cotidiano em matéria literária, o que exige um olhar atento para as sutilezas da vida. De onde vem essa sensibilidade para enxergar poesia onde muitos só veem rotina?

“50 TONS DE VIDA” é uma coletânea de pequenas histórias, algumas delas de inspiração Rodrigueana e outras diversas, coletadas pelas esquinas por onde passamos todos em uma peregrinação sem fim. São contos verdadeiramente coloridos, que procuram retratar as emoções dos pequenos fatos que ocorrem no dia a dia, por onde passamos correndo sem percebê-las direito. São episódios tão corriqueiros que, à primeira vista, ficam difíceis de serem traduzidos em palavras. Para tanto, precisamos lançar mão de nossas lembranças emocionais e recheá-las com os entornos e os encadeamentos que vivenciamos em cada uma delas.

Ao longo do livro, há uma presença forte da memória, especialmente das relações familiares. Como essas memórias te moldaram como escritor? Há algum conto que nasceu de um episódio particularmente marcante da sua história?

Lembro-me bem do período em que morei em São Paulo, em função de minhas obrigações profissionais. Invariavelmente, saía de casa preparado para as quatro estações, com guarda-chuvas, casaco e sapatos impermeáveis, porque num só dia poderia fazer frio pela manhã, calor na parte da tarde e chuva à noite. No entanto, depois de algum tempo, percebi que aqueles que conhecessem o “caminho das galerias” do centro, tinham mais chances de escapar das chuvas sem se molhar muito. Era um segredo que só os “iniciados” conheciam.

Do mesmo modo, fui percebendo que, num só dia, poderíamos passar por todo tipo de situação, indo desde a alegria por um trabalho bem-feito, uma conquista, até sentimentos de raiva, solidão. Começava pela manhã e só terminava “quando acabava” (como dizia o Chacrinha). Quantas lições eu tirei dessas minhas vivências diárias e das emoções que passei a sentir e viver de uma forma diferente. As muitas pessoas que conheci, que desempenharam os diversos papéis que fazem parte desta nossa coletânea, também me ensinaram a perceber diversas outras facetas da vida.

José Paulo Alves Fusco
José Paulo Alves Fusco

Você cita Nelson Rodrigues, Rubem Alves e Jorge Amado como influências. De que forma esses autores te ajudaram a encontrar sua própria voz na literatura?

Quando abrimos os olhos da alma, passamos a enxergar muitos outros seres que, tal como nós, tentam recuperar as fórmulas esquecidas nos borrões de tinta em que se transformaram nossas lembranças. Como traduzir tais lembranças em reflexões que possamos entender? Em primeiro lugar, nesta vida buscamos todos retornar a uma pátria que não sabemos, não lembramos exatamente onde fica, mas que não deve ser longe. Paradoxalmente está dentro de nós, mas não sabemos como chegar lá. Para tanto, a racionalidade cartesiana marrom do bicho-homem passa a nos desafiar todos os dias, mas claramente não é suficiente. As portas que nos aparecem por aqui não têm letreiros, não dizem para onde podem nos levar, nem seguem uma lógica certa, libertadora, da gaiola onde estamos. Desse modo, o primeiro desafio é utilizar uma linguagem que faça sentido para mim mesmo, para que eu consiga interpretar a vida ao meu redor, estabelecendo uma relação de causa e efeito entre tudo aquilo que chega e se vai na minha história. Somente depois de conseguir esse entendimento é que eu me sinto com alguma força de propósito para contar o que vivo e vivencio, para que outras pessoas possam também entender. Em suma, primeiro eu procuro contar as histórias para mim mesmo e, se eu conseguir entendê-las, aí eu conto para os outros.

“50 Tons de Vida” parece convidar o leitor a revisitar suas próprias emoções e vivências. Que tipo de transformação você espera provocar em quem lê seu livro?

As cores de nossas emoções neste mundo, apesar de mais nítidas, tornam-se cada vez mais difíceis de serem alcançadas em função da crescente complexidade da vida. Tentamos e caímos, tentamos e caímos, para novamente tentar e cair, qual fôssemos filhotes de águia aprendendo a voar. A vida nua e crua é assim mesma, sem muitas ilusões. A “vida como ela é” tal como define Nelson Rodrigues. O mundo é uma escola de onde só conseguimos sair após um certo “período de estudo”. Um famoso escritor, já em idade avançada, quando perguntado sobre se a idade o havia trazido sabedoria, disse que “saber mesmo eu não sei quase nada, mas já desconfio de muita coisa”. Por isso, espero que minhas histórias façam com que muitas pessoas comecem a desconfiar que uma vida, sem reflexão, não vale muita coisa.

Apesar de tratar de temas profundos, você escolheu uma linguagem acessível, que acolhe sem simplificar. Essa escolha foi intuitiva ou veio como uma decisão consciente de estilo?

Acredito que cada um de nós nasce com um perfil mais voltado a uma forma específica de enxergar e entender as coisas que nos cercam. Existem pessoas mais racionais, sistêmicas, que procuram encaixar o mundo dentro de alguns formatos com limites mais definidos, arquétipos, enquanto outras encaram o mundo segundo uma visão menos sistêmica, com mais sentimentos do que razão. No entanto, o mundo material em que vivemos é mais um continuum entre estes dois extremos. Desse modo, cada indivíduo vê a vida segundo um viés múltiplo, em muitas dimensões. A minha “escolha” foi mais intuitiva do que consciente, porque eu penso que aqueles que vão ler meu trabalho poderão entender melhor as ideias que busco comunicar.

A vida só começa a existir verdadeiramente quando nos movemos, nossas emoções começam a nascer e nos bombardear, procurando seu lugar dentro de nós. Quando buscamos algo e começamos a amar alguém, tomar paixão pelo que fazemos, pelos nossos irmãos que nos acompanham, pela natureza e pelo mundo em que vivemos, nossas “aventuras” passam a fazer sentido quando se encaixam dentro de uma ou mais dessas visões. Daí, passa a valer a pena expressá-las, contar ao mundo pelo que passamos, pensamos e sentimos

A literatura, para você, é uma vertente para canalizar emoções. O que mudou em você depois de escrever esse livro — como homem, professor e escritor?

Cada um de nós, cedo ou tarde, acaba descobrindo ao longo da vida uma forma para melhor comunicar seus sentimentos, os rios de emoções que correm em sua alma. Alguns consideram a arte da pintura como sendo aquela em que conseguem se expressar da forma mais correta, outros buscam obter na música, cantando ou tocando um instrumento, a melhor forma de comunicar, traduzir em sons e melodias tudo aquilo que gravita em seu ser. O meu rio de sentimentos levou-me, depois de muita leitura e reflexão, ao oceano da escrita e ali eu busco encontrar os sentidos da vida que me acolheu.

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