Analice Malheiros explora os desafios e dilemas de uma jovem no início de carreira

Luca Moreira
12 Min Read
Analice Malheiros (Ana Ramiro)
Analice Malheiros (Ana Ramiro)

O caminho profissional raramente segue um roteiro previsível, e é essa realidade que a publicitária Lua enfrenta em Bastidores, obra de estreia de Analice Malheiros. O livro retrata as inseguranças, os desafios e as frustrações do mundo corporativo sob a perspectiva de uma jovem diretora de criação que, apesar das conquistas no currículo, sente-se deslocada em sua profissão. Com temas como síndrome do impostor, pressão no ambiente de trabalho e a necessidade de reinvenção, a narrativa convida o leitor a refletir sobre os verdadeiros significados do sucesso e da felicidade na carreira.

A jornada profissional raramente é linear, e em Bastidores você mostra justamente os altos e baixos dessa trajetória. Como você enxerga a importância de abraçar as incertezas e recomeçar quando necessário?

Essa pergunta é muito interessante, porque a vida nos é apresentada de uma forma linear. Nós crescemos, vamos para a escola, depois para a universidade, e nos tornamos profissionais. Ponto. Mas a jornada é muito diferente disso. Nós temos altos e baixos. Por isso, precisamos entender que o mais importante é nos proporcionar a oportunidade de recomeçar se for preciso. Nós nos culpamos muito pelas coisas que acontecem, nós nos colocamos muitas vezes como fracassados por ter que mudar uma rota. Mas mudar a rota não é algo ruim. É algo que pode nos trazer muito mais alegrias. Então, o legal do livro é identificar que pode ter alguém que passou por isso como você, identificar que há mais pessoas mudando de rota, e isso não é fracasso, isso não é algo ruim. Nós precisamos nos ressignificar em muitas coisas. A proposta de “Bastidores” é essa: você pode ressignificar, você pode mudar a sua rota, ajustar as suas velas e navegar por mares que muitas vezes você nem imaginou. A beleza da vida é essa, porque quando você entende que não há um roteiro pronto, que você pode mudar a trajetória, isso nos dá uma sensação de liberdade.

Lua, a protagonista, lida com a pressão de se provar em um ambiente competitivo e com a síndrome do impostor. Você já enfrentou esses sentimentos na sua própria carreira? Como superou esses momentos de dúvida?

Com certeza, já tive esses sentimentos. Não é uma questão de superar, é uma questão de se conhecer. No momento que você se conhece e sabe qual é o seu propósito, até onde você pode ir, você identifica isso de uma forma diferente. Os desafios não deixam de existir. É aquela história: você enfrenta um leão por dia. Então o leão de hoje é esse, e o que eu posso fazer de melhor para enfrentar esses desafios? No momento que você identifica isso, você passa a olhar diferente. Você para de se culpar, por exemplo, de não conseguir realizar algo. É aqui que entra a questão da síndrome do impostor, ao se cobrar demais e achar que não é capaz.

Se eu tenho um desafio hoje, qual a melhor forma de lidar com ele? E ponto. Não existe essa questão de superação, de deixar de existir momentos de dúvida. O que há é a forma como você olha para os momentos difíceis.

No livro, vemos que o sucesso vai além das conquistas visíveis no currículo. Para você, quais são as pequenas vitórias do dia a dia que merecem ser celebradas, mesmo que muitas vezes passem despercebidas?

Como trabalho com produção cultural, mais do que um evento bem-sucedido, um grande evento, percebo que as vitórias são algo muito pessoal. Eu identifico vitórias no pai que consegue levar seus filhos, às vezes até mesmo ainda com o uniforme do trabalho, para assistir ao teatro. Eu identifico a vitória nisso, nas pequenas memórias que a gente consegue criar. Sempre digo que trabalhar com cultura é trabalhar com memórias, então no momento que eu consigo ver que estou proporcionando ou ajudando famílias a criarem memórias novas, essa é a vitória. São essas questões que identifico na minha vida profissional. Fazer um grande evento está valendo, mas as pequenas vitórias são essas. É a oportunidade de proporcionar que uma criança tenha acesso pela primeira vez ao teatro, ao musical, a comprar um algodão doce. É a soma dessas pequenas vitórias que fazem da minha vida como produtora ser realizada.

Analice Malheiros

A criatividade de Lua parecia não ser valorizada na agência onde trabalhava. Você acredita que o mercado de trabalho atual sabe aproveitar o potencial criativo dos profissionais?

Eu acredito que é um processo. Muitas empresas estão incentivando e aproveitando o potencial criativo dos seus jovens profissionais, mas ainda não é uma totalidade e temos um caminho pela frente. Acredito que é algo que vai acontecer e acontece cada vez mais. Uso como exemplo a minha empresa, uma agência de comunicação e produção cultural. Identifico isso na minha relação com os jovens que estão trabalhando comigo. Tenho profissionais da mesma idade que eu e profissionais mais jovens. É muito gratificante ver essa troca, porque eles trazem muita coisa para a empresa que a gente não conhece. Acredito que não devemos conhecer tudo, não precisamos conhecer tudo, então essa troca é muito saudável. Por isso, acredito que existem grandes empresas que estão apostando nos seus talentos, mas ainda precisamos ter essa combinação entre os que têm mais experiência e aqueles que trazem muita inovação. Para mim, essa é a chave do sucesso: a união da experiência com o potencial criativo dos jovens profissionais.

Você traz um olhar sensível sobre os desafios de ser mulher no mercado de trabalho. Quais obstáculos específicos você já encontrou nesse sentido e como os transformou em combustível para avançar na sua carreira?

Todos nós passamos por desafios. O importante é mostrar que a minha vizinha tem um desafio que pode ser parecido com o meu e é parecido com a da minha colega. Meu objetivo é explicar que não estamos sozinhas nessa jornada. Estamos em caminhos diferentes, mas com desafios semelhantes.

Quero mostrar que uma jovem profissional tem conhecimento na minha área, a da comunicação, e que ela pode mudar de carreira. Acredito que a chave é você estar em constante busca pelo conhecimento, porque ele é algo que ninguém tira. Por isso, você precisa estar sempre buscando. Não é uma questão de provar, é uma questão de fortalecimento. Se você busca conhecimento, você tem o que falar, tem como argumentar. Assim você vai conquistando seu espaço. No campo das ideias, não existem diferenças, vai de você colocar isso em jogo. Aquela pessoa que busca conhecimento sempre vai ter algo a dizer, sempre vai ter algo a acrescentar na vida profissional e pessoal.

A trajetória da protagonista também passa por crises financeiras e desafios nos relacionamentos. Na sua opinião, qual é o papel da resiliência em momentos como esses?

Aqui estamos falando de dois desafios: ela passa por crises financeiras e questões amorosas. São apenas dois, mas temos muitos outros desafios na vida. Focar na solução sempre é melhor que focar no problema. E é isso que quero mostrar com “Bastidores”: problemas acontecem sempre, não existe uma felicidade contínua, mas como olhar para eles? Eu, Analice, penso: “ok, estou com esse problema hoje, porém qual a solução para ele?”. Então, colocar a energia na solução é melhor do que colocar a energia no problema. O problema não vai levar a lugar nenhum, mas a solução sim. A resiliência é fundamental para uma vida saudável, você precisa estar pronto para mudanças, para olhares diferentes. O papel da resiliência é justamente o de ampliar o seu horizonte para que você possa encontrar as melhores soluções para os desafios que está vivendo hoje.

A produção cultural surge como uma oportunidade transformadora para Lua. O que te inspirou a explorar esse universo no livro? E como essa mudança de rota se conecta com a sua própria trajetória profissional?

Os bastidores da comunicação, por exemplo, são retratados na literatura e na televisão. Sabemos como funciona uma redação de jornal, a vida em uma agência de publicidade. Mas pouco sabemos sobre a produção cultural. Quando a gente vai em um teatro assistir a um espetáculo, tem aquele produto pronto. Mas o que acontece antes disso? Como é atrás disso? Colocar um pouco de luz sobre essa vida é o propósito do livro, como os profissionais se comportam e quais são os desafios que eles enfrentam.

A minha vida profissional se conecta com a vida da Lua justamente porque eu tive as duas experiências como publicitária, trabalhando como diretora de criação em agência, mas também como produtora cultural. É assim que eu me encontro com a Lua. A conexão está em contar sobre esses dois mundos que são tão diferentes e parecidos ao mesmo tempo.

Você menciona a importância de enxergar cada obstáculo como uma oportunidade de crescimento. Qual conselho você daria para os jovens profissionais que estão enfrentando frustrações e ainda buscando seu lugar no mercado?

Dizer para os jovens que eles são especiais parece um pouco vazio. Mas eu posso dizer como lidei com meus desafios e que não olhei para as jornadas dos outros. No momento que você olha para o seu vizinho, você pode ficar um pouco frustrado porque é diferente da sua. Então eu olhei para minha jornada e fui passando por um desafio por vez, focando sempre na solução. Quando você encontra uma solução para um desafio, começa a crescer a confiança – e isso é gratificante. À medida que você vai passando por desafios e colecionando soluções, você vai avançar. Só avança quem persiste. É isso que posso dizer e colocar para os jovens que estão chegando: foque na sua jornada, que assim você vai conseguir conquistar o que quer e ser feliz.

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