O escritor e filósofo Matheus Moori apresenta em A Neve e a Flor uma narrativa emocionante que mescla filosofia, poesia e sentimentos humanos, conduzida pelo estilo Animal Fiction. Ambientado na era do gelo, o livro explora temas profundos como a finitude da vida, a dor do luto e a força das tradições familiares por meio das jornadas de animais que personificam dilemas existenciais. A obra destaca a história de Erin, uma jovem mamute que, incapaz de se despedir de sua avó, embarca em uma aventura com lições sobre aceitação e legado.
O livro A neve e a flor começa com uma atmosfera densa e inevitável: “Hoje alguém ia morrer.” Como você buscou traduzir o conceito da finitude da vida em uma narrativa protagonizada por animais, e por que escolheu este estilo para abordar um tema tão profundo?
Minha inspiração veio em um momento em que minha avó parecia estar próxima da morte e acreditei que precisaria me despedir. Refleti sobre como seria estar esperando pelo fim. Na mesma época, assisti à série Primal, de Genndy Tartakovsky, na qual uma manada de mamutes realiza uma espécie de ritual para se despedir de um membro falecido. Foi a partir da junção desses eventos que decidi que a forma com que eu gostaria de abordar a morte, a velhice e o luto seria imaginando a experiência dos animais como se tivessem personalidades humanas. Assim, eu teria liberdade de criar crenças fictícias para a estória e tecer reflexões próprias.
Erin, a jovem mamute, vive um dilema emocional ao não conseguir se despedir de sua avó. Como você acredita que a jornada dela ressoa com leitores que também enfrentam dificuldades para lidar com o luto ou dizer adeus?
Por experiência própria, percebi que em uma tentativa de nos protegermos contra a dor da perda, nós acabamos nos distanciando de lembranças e talvez até do ente querido em seus últimos dias. Ao enfrentar lutos de diversos tipos, não apenas sobre a morte, mas também o término de relacionamentos, perdas financeiras e outras fases da vida, a tristeza pode ser tanta ao ponto de preferirmos negar a alegria que deu origem ao luto. A postura inicial de Erin reflete essa negação diante da impermanência da vida, com todos os sentimentos bons e ruins que ela traz.
Ao longo da história, Erin cruza caminhos com diferentes animais, cada um com suas crenças sobre o fim da vida. Como essas interações contribuem para a construção de uma espiritualidade mais livre e inclusiva na trama?
A essência das religiões está em oferecer paz diante do medo frente à finitude. É a dúvida de Erin quanto ao destino de sua avó que a leva a conhecer outros costumes. Nesse contexto de diversidade, é a própria avó que conforta a neta, avisando-a de que não é preciso buscar uma certeza absoluta sobre o que vem após a morte, pois já basta a certeza de que se morrerá um dia. É pela simplicidade desse olhar que a crença em si não passa a ser o mais importante, mas aquilo que acrescenta na vida de seus adeptos. A partir daí, a trama abre espaço para as escolhas e a busca pessoal diante da espiritualidade.
A neve e a flor é descrito como uma ode ao amor puro e à memória afetiva. Que mensagem você espera transmitir aos leitores sobre a coragem necessária para enfrentar perdas e a importância de valorizar as memórias deixadas pelos que partiram?
A vida não é algo feito para termos controle sobre. Não sabemos o que ela irá oferecer, nem podemos decidir qual o curso que irá tomar. Diante dessa impermanência, tudo o que podemos fazer é aceitar a alternância entre o bom e o ruim. Quando estiver bom, nós aproveitamos, e quando estiver ruim, agradecemos pelo bem que veio antes. No caso do luto, agradecemos pela vida de alguém que foi tão importante ao ponto de nos fazer falta.

A narrativa destaca a importância dos costumes e tradições familiares. Como você conecta essa ideia ao sentimento de pertencimento que Erin busca enquanto trilha o caminho para encontrar sua avó?
O sofrimento é algo terrível de se enfrentar sozinho, mas os costumes dos antepassados nos lembram que esse fardo já foi carregado antes e que, assim como eles, podemos atravessar os momentos difíceis da vida. As tradições familiares são baseadas nas experiências que nossos ancestrais compartilharam ao longo de gerações para nos orientar da melhor forma que conseguiram.
Os corvos negam um pós-vida, enquanto os predadores vivem pela determinação até o último suspiro. Como essas visões contrastantes sobre a morte enriqueceram a profundidade filosófica do livro?
A razão pela qual os corvos negam um pós-vida é por acreditarem que a finitude seja uma benção divina, pois seu criador experienciou o vazio da eternidade. Essa não-crença dos corvos resulta em um paradoxo, no qual o fim de tudo é o que acrescenta conforto e beleza à existência. Os predadores apresentam um dos personagens principais, Roar, cujo drama parte de uma sociedade tóxica, que o trata de maneira cruel. Contudo, é partindo dos costumes dessa mesma sociedade que Roar ensina à avó de Erin uma postura de coragem diante da morte, revelando que todos os estilos de vida podem trazer experiências valiosas.
Apesar do foco na mortalidade, você traz um tom de esperança e celebração da vida. Como foi equilibrar a melancolia do tema com a beleza e a poesia que permeiam a narrativa?
Embora a dualidade da vida seja nada mais do que o seu fluxo natural, é emocionante entender esse fluxo, e mais emocionante ainda é descrevê-lo. A alegria tornando-se tristeza, a neve derretendo para dar lugar às flores, alguém morrer e alguém nascer. Tudo isso parece sublime quando paramos para pensar, e mexe muito com os nossos sentimentos. Ressaltar essa dualidade foi o que entregou a principal mensagem da estória, que é continuar a viver mesmo após os momentos difíceis.
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