Muito além das câmeras: Mauricio Eça fala sobre processos de criação e detalhes que levam um filme do roteiro até as salas de cinema

Mauricio Eça
Mauricio Eça

Mauricio Eça, diretor renomado, volta à cena cinematográfica com “O Maníaco do Parque”, um projeto que explora de forma sensível um dos casos mais chocantes do Brasil. Com uma carreira diversificada, Eça já dirigiu desde produções infantojuvenis até longas de true crime, e nesta entrevista, ele compartilha os desafios de transitar entre gêneros e a importância de dar voz às vítimas. O diretor discute sua pesquisa aprofundada para garantir uma representação autêntica e reflexões sobre temas sociais que emergem da narrativa. Com um olhar inovador e uma trajetória marcada por histórias impactantes, Eça continua a transformar o panorama do cinema brasileiro. Além disso, Mauricio é um dos diretores que mais realizou videoclipes musicais no Brasil, destacando “Diário de um Detento” da banda Racionais MC’s, reconhecido como um dos clipes mais importantes do Brasil.

Você já trabalhou com uma grande diversidade de gêneros ao longo de sua carreira. Como é o processo de adaptação ao dirigir um filme tão impactante quanto “O Maníaco do Parque” em comparação com projetos anteriores como “A Garota Invisível” ou “Carrossel”?

É interessante falar sobre isso porque, ao longo da minha carreira, sempre houve uma pressão para me rotularem ou definirem meu estilo. Quando dirigi o videoclipe dos Racionais MC’s, “Diário de um Detento”, em 1997 (vencedor de dois VMBs na MTV e reconhecido como um dos clipes mais importantes do Brasil), e depois de ter dirigido muitos outros videoclipes de hip hop, passaram a me considerar um diretor de vídeos de rap.

Agora, com uma filmografia que inclui 12 filmes, sendo 4 longas de true crime e 5 infantojuvenis, muitos questionam como faço a transição de um gênero tão diferente para outro. Gosto de dizer que sou um diretor movido por desafios, e essa alternância de gêneros é algo que considero um desafio ainda maior.

Quando dirigi a franquia “Carrossel”, compreendi a importância de dialogar com o público infantojuvenil e, mais do que isso, percebi o quanto era crucial para a formação de uma audiência para o cinema nacional. Cresci assistindo aos filmes dos Trapalhões em todas as minhas férias de infância, e em 2016, vi os cinemas lotados de estreias de blockbusters americanos, mas sem nenhum filme nacional em destaque. Então, dirigir “Carrossel” foi especial nesse sentido: fazer um filme de qualidade, com uma história universal, que atraiu mais de 5 milhões de espectadores para os dois filmes. Foi uma experiência muito especial!

Hoje em dia, procuro projetos que explorem meu expertise e minha visão, mas que também me desafiem. Sigo em busca de novos gêneros, mas, ao mesmo tempo, ainda há muitos projetos dentro dos gêneros que já dirigi que me seduzem e fazem sentido para mim. Adoro falar com crianças e adolescentes, e dirigir esses projetos é especial por várias razões — talvez a principal seja que são histórias que emocionam, entretêm, mas que também têm algo a mais por trás: uma lição ou um significado que nos guia. Como cineasta, sinto que tenho a missão de, de alguma forma, ajudar a transformar a sociedade, gerando discussões e reflexões.

Esse foi o caso de “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, que, para mim, foi um projeto muito afetivo. Ele abordou um conteúdo que fez parte da minha infância. Praticamente fui alfabetizado lendo os gibis do gênio Mauricio de Sousa, e estar envolvido em um projeto tão especial como esse — que trata de amizade e, principalmente, é um filme sobre transição, sobre os desafios de deixar de ser criança enquanto ainda carregamos nossa criança interior — foi algo extremamente significativo.

Seu novo longa-metragem, “O Maníaco do Parque”, aborda um tema pesado e real. Como foi o processo de pesquisa e preparação para retratar essa história nas telas de forma autêntica e sensível?

Este talvez seja, até agora, o meu projeto mais complexo e desafiador. Foram mais de 12 meses de desenvolvimento de roteiro, juntamente com uma pesquisa extensa sobre o caso e, principalmente, sobre as vítimas. Consideramos esse filme uma reparação histórica para as vítimas do maníaco, devido a tudo que elas passaram — desde o tratamento sensacionalista da mídia dos anos 90 até as falhas da polícia, que teve pelo menos duas oportunidades de prendê-lo e, assim, poderia ter salvo várias vítimas.

Fazer esse filme vai além da compreensão da mente humana, que é sempre um dos meus focos, e também tem o objetivo de evitar que crimes como este se repitam. Neste caso específico, o filme foi feito, acima de tudo, para dar voz às mulheres vítimas desse caso.

Assim como em todos os true crimes que realizei, este é o quarto filme do gênero que produzo em parceria com o Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes, que sempre acreditou nesses projetos. Temos como padrão o cuidado e o respeito com a história e com todos os envolvidos. Por isso, nos debruçamos sobre uma vasta pesquisa e escolhemos cuidadosamente quais aspectos fariam sentido serem retratados no filme e de qual ponto de vista seguiríamos.

Embora a história já fosse conhecida, o que mais se destacava era a versão de Francisco, que foi amplamente explorada pela imprensa. Ao analisar toda a pesquisa, entendemos que essa não era a história que queríamos contar.

Mauricio Eça
Mauricio Eça

Você é uma referência na direção de videoclipes no Brasil, tendo trabalhado com grandes nomes da música. Como essa experiência na música influencia seu olhar e sua abordagem ao dirigir filmes de diferentes gêneros?

Dirigi mais de 200 videoclipes, e para mim, essa foi uma experiência extremamente enriquecedora. Além de trabalhar diretamente com música, aprendi a usar o som para criar tensão, determinar os momentos certos para silêncios e respiros, e, acima de tudo, os clipes me proporcionaram um aprendizado inestimável.

Fazer videoclipes está intimamente ligado à experimentação, criatividade e, principalmente, à capacidade de fazer escolhas. Bato muito nessa tecla porque acredito que o cinema é sobre isso — sobre o seu olhar e as decisões que você toma, entender o que é importante ser dito e como contar essa história em cada filme. A experiência com videoclipes também me trouxe agilidade e dinamismo na realização, além de me tornar um diretor mais versátil.

Os filmes sobre o caso Suzane von Richthofen trouxeram múltiplas perspectivas de um mesmo crime. Como você equilibrou essas visões ao criar uma narrativa que prende o espectador de forma imparcial?

Quando os roteiristas Ilana Casoy e Raphael Montes começaram a se aprofundar no julgamento do caso, perceberam que cada um dos acusados (Suzane e Daniel) apresentou uma versão diferente. Esse foi o ponto de partida que transformou um filme em dois. Esses dois filmes podem ser assistidos individualmente, mas é ainda mais interessante vê-los de forma complementar.

O grande desafio foi entender e filmar as diferenças nos pontos de vista. A solução foi filmar de maneira idêntica, permitindo que as distinções fossem percebidas pelos espectadores. Nosso objetivo não era fazer julgamentos de valor, mas sim entregar dois filmes aparentemente iguais, mas completamente distintos em sua essência.

Filmamos os dois roteiros simultaneamente. Havia dias (e foram muitos) em que gravávamos uma cena de um filme em uma locação e, logo em seguida, a cena do outro. Tanto a equipe quanto os atores precisavam “virar a chave”, especialmente os atores, que contavam com um roteiro sólido e uma preparação detalhada antes das filmagens para dar conta dessa complexidade.

Mauricio Eça
Mauricio Eça

“Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” ganhou o Grande Otelo de Melhor Filme Infantil em 2024. Como foi para você dirigir um filme baseado em personagens tão icônicos do universo infantil?

Foi uma honra e uma emoção muito grande, pois, como mencionei antes, a Turma da Mônica fez parte do meu processo de alfabetização. Não só da minha vida, mas também da de inúmeras gerações. Além de ser um conteúdo brasileiro, sempre abordou temas importantes e valores universais, lidou com ritos de passagem, educou e entreteve.

Lembro-me de quando, ainda durante a pandemia, fiz minha primeira reunião online com o Mauricio de Souza. Foi um momento marcante, onde pude sentir o brilho e o olhar dele para as coisas mais importantes e essenciais desse universo da Turma. A responsabilidade de dirigir esse filme foi imensa, especialmente porque a Turma da Mônica Jovem é um novo universo, diferente da turma clássica, com novos códigos e desafios. Foi algo muito especial ver aqueles atores e aquele universo sendo traduzido em imagens.

Você acredita que o público brasileiro está mais receptivo a filmes baseados em casos reais e polêmicos? Como você vê o impacto desses temas no cenário cinematográfico nacional?

Sem dúvida alguma, é um gênero que, de acordo com pesquisas, está entre os mais procurados pelos brasileiros. Acredito que o preconceito que já existiu mudou, pois as pessoas começaram a perceber que histórias como essas refletem aspectos da nossa sociedade, nos levando a tentar entender a mente humana para que possamos evitar que essas histórias se repitam. Além disso, os filmes de true crime acabam sendo uma mistura de gêneros, pois, em diferentes momentos, podem ser mais policiais, thrillers ou dramas.

O que podemos esperar do seu novo filme, “O Maníaco do Parque”? Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao contar essa história?

É um filme que traz muitas reflexões sobre diversos aspectos da sociedade. Reflexões sobre questões que, muitas vezes, parecem estar à margem das nossas vidas, mas que, na verdade, tratam de temas essenciais que impactam todos nós.

O desafio desse projeto, acredito, foi proporcional ao resultado que entregamos. Tivemos um desenvolvimento extremamente cuidadoso e intenso, além de uma produção detalhada, pois estamos falando de um filme de época, certo? Essa história aconteceu há mais de 25 anos, e, por isso, há uma infinidade de detalhes e cuidados envolvidos. Às vezes, o espectador não tem ideia do tempo e da quantidade de pessoas envolvidas em um projeto dessa magnitude, mas entregar um filme com esse nível de atenção e detalhamento não é simples.

Ao longo da sua carreira, você trabalhou em projetos de enorme repercussão. Como você mantém a criatividade e a inovação em cada novo trabalho, mesmo já tendo explorado tantos gêneros?

Eu gosto da novidade que cada projeto traz e, a partir disso, busco entender o que é necessário para realizá-lo: o que vamos contar, qual será o recorte, e como faremos isso. Fazer cinema é um processo coletivo, que se constrói em cada jornada, e procuro tornar cada processo único, pois os desafios são sempre diferentes.

Um diretor é como o maestro de uma orquestra. Gosto de trabalhar com uma alternância de parceiros, além daqueles habituais em quem confio e sei o quanto podem agregar. Isso me permite trazer novas visões e valores para cada projeto. Cada filme tem suas próprias nuances e particularidades. Cada um é como uma nova magia, um território a ser explorado, inicialmente como um profundo mistério.

Estou sempre buscando percorrer novos caminhos. Atualmente, além dos gêneros com os quais já estou acostumado, estou desenvolvendo projetos em novos gêneros. Sempre procuro histórias que tenham algum sentido – seja social, político, ou algo que gere algum tipo de reflexão em mim e, espero, nos espectadores.

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