Cristina Bethencourt: Uma jornada no mundo do teatro para crianças e jovens

Luca Moreira
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Cristina Bethencourt

Cristina Bethencourt é uma experiente mestre em direção teatral, com uma extensa bagagem de espetáculos adultos, infantis e infanto-juvenis em seu currículo. Suas contribuições vão desde a direção de renomadas peças até a preparação de elencos, trazendo seu talento para o universo da televisão e do cinema. Recentemente, ela assume o desafio de dirigir “As Artimanhas de Molière”, uma peça que mistura diálogos clássicos do renomado autor francês com uma trama autoral, levando o público a uma jornada única no mundo teatral.

Como foi sua jornada até se tornar uma mestre em direção teatral e uma renomada preparadora de elenco para teatro, televisão e cinema?

Eu nasci no teatro. Meu pai, João Bethencourt, era autor e diretor teatral e minha mãe, Margot Mello, atriz. Frequentei muitas coxias e acompanhei vários ensaios, além de ter feito trabalhos como atriz na infância, tanto no teatro como na televisão, por exemplo, a novela Escalada na TV Globo. Mas sempre me interessei pela direção, em como montar uma cena e construir um espetáculo. Primeiro me formei como atriz na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e a seguir fui fazer Uni-Rio e escolhi direção teatral. A partir daí comecei a dirigir profissionalmente, principalmente peças para crianças e jovens. Nessa época já dava aulas na Casa de Cultura Laura Alvim em Ipanema, onde fiquei por 10 anos. Tornei-me Mestre em Teatro com uma dissertação sobre o meu pai: “O Acadêmico Popular”.  Como preparadora de elenco, comecei no cinema, onde fiz diversos filmes, como Xuxa em Abracadabra, Didi quer ser criança com Renato Aragão; Verônica de Maurício Farias; Infância de Domingos Oliveira; entre outros, sempre preparando crianças e adolescentes. Depois entrei na TV Globo, onde tenho trabalhado há quinze anos, preparando elenco de novelas e séries. Meu mais recente trabalho na Globo, foi a novela Mar do Sertão. Na Netflix preparei o elenco infantil da série inédita, Pedaço de Mim, com direção geral de Maurício Farias.

Pode compartilhar mais sobre sua experiência na TV Globo e na Netflix, preparando elencos infantis? Qual é a abordagem que utiliza para esse tipo de preparação?

Preparar crianças para o audiovisual é sempre um prazeroso desafio. As crianças têm que ter o rigor de um set de filmagem, seguindo marcas precisas para luz entre outras, sem perder a espontaneidade e naturalidade tão preciosas na infância e fundamentais na interpretação para câmera. Além disso, temos que trabalhar a concentração num set lotado de técnicos que normalmente tem que correr contra o tempo. Mas a resposta da criança na gravação diante de um período de preparação costuma ser bastante positiva. Elas ganham compreensão de texto e personagem, entram em contato com a linguagem da série ou da novela e, principalmente, segurança na hora de interpretar.

A preparadora de elenco tem que estabelecer uma relação de confiança e cumplicidade com a direção geral da série ou da novela, já que os preparadores fazem a ponte entre elenco e direção. Com crianças isso tem que estar ainda mais alinhado! A linguagem estabelecida pela direção já vai estar presente desde o primeiro exercício no primeiro dia de preparação.

O espetáculo “As Artimanhas de Molière” é uma criação sua que envolve diálogos de obras de Molière. Pode nos contar mais sobre como surgiu a ideia e o processo de concepção dessa peça?

O espetáculo As Artimanhas de Moliere dá continuidade ao trabalho que foi feito ano passado com a turma quando trabalhamos Shakespeare e montamos o espetáculo Milkshakespeare, uma adaptação em cima de três textos de um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, feita por mim. Dessa vez, pegamos “o pai da comédia”, Moliére, para dar continuidade ao nosso processo pedagógico. Trata-se da combinação de duas peças de Moliére: O Doente Imaginário e As Preciosas Ridículas. Dessa vez, tem uma história original minha como fio condutor para essas duas peças: uma turma de crianças que invade a biblioteca do avô e encontram o próprio Moliére que vai lhes mostrando seus personagens e suas tramas. As crianças se impressionam e se divertem até Moliére desaparecer no final do espetáculo, deixando suas histórias na lembrança da turma de crianças. As duas peças escolhidas marcam momentos cruciais na carreira de Moliére: O Doente Imaginário foi a última peça do autor e as Preciosas Ridículas foi a primeira a lançar o autor na corte de Luiz XIV, fato muito importante na carreira de um artista da época.

Você fundou e coordena o Espaço Entre, uma escola de interpretação para crianças e jovens. Como essa escola contribui para a formação cultural e artística das crianças?

O Espaço Entre foi fundado com a intenção de dar um diferencial no aprendizado da interpretação para crianças e adolescentes. Nós trabalhamos as duas linguagens, teatro e audiovisual, sempre acreditando que os exercícios de teatro são a base do ator. Também exercitamos o corpo e voz. Nossa equipe tem conta com um preparador vocal e ator e uma bailarina clássica e atriz para enfatizar esses quesitos. Acreditamos no poder do teatro para a formação do indivíduo como uma ferramenta que estimula a expressão, a auto-estima, a criatividade, entre outras habilidades que só os exercícios de teatro em grupo podem proporcionar.

A diversidade é uma marca do Espaço Entre, reunindo alunos de diferentes classes sociais e origens. Como essa diversidade enriquece o ambiente e os aprendizados proporcionados pela escola?

A diversidade é uma pauta atual e necessária. Nós, como instituição de ensino, prezamos essa característica que nasceu espontaneamente dentro da escola. É extremamente rico para todos conviver com diferentes universos em prol do mesmo objetivo: fazer arte. O conteúdo que nasce dessa mistura fica mais interessante e denso, além de ser um potente aprendizado para cada um dos alunos.

O elenco de “As Artimanhas de Molière” é formado por crianças de oito a onze anos. Como foi trabalhar com esse grupo etário e quais os desafios e recompensas de direcionar uma peça com crianças?

Estamos acostumados a trabalhar com essa faixa etária. E Moliére é extremamente divertido e lúdico. Fomos achando o caminho para entrar na linguagem das crianças e ir “traduzindo” Moliére de forma que entendessem e se divertissem com as situações tão engraçadas e universais criadas pelo autor francês. Tivemos êxito: o elenco está extremamente afinado com as artimanhas de Moliére!

Como a sua experiência como professora no Tablado contribui para a sua abordagem pedagógica no Espaço Entre? Existem diferenças notáveis no ensino de teatro para crianças nessas diferentes instituições?

O Tablado prioriza o lúdico na experiência do teatro. A improvisação é a tônica do aprendizado. Existem vários exercícios em comum com o Espaço Entre, mas o ensino no Tablado é mais solto, voltado principalmente em desenvolver a criatividade dos alunos para que se descubram artistas, não necessariamente atores e atrizes. É um trabalho extremamente interessante onde somos constantemente surpreendidos pelas ideias dos alunos. Essa base da improvisação é de extrema importância e é também aplicada no Espaço Entre.

Quais são os elementos mais marcantes que os espectadores podem esperar ao assistir “As Artimanhas de Molière”? Como a peça cativa tanto as crianças quanto o público em geral?

Elementos marcantes são os personagens clássicos de Moliére construídos pelo olhar das crianças. Os espectadores também terão a chance de conhecer as incríveis tramas de Moliére que vão se desvendando com leveza e simplicidade. Temos também a ambientação cênica de Olinto Sá que mistura o ambiente de uma biblioteca com os cenários das peças O Doente Imaginário e as Preciosas Ridículas, que são abordadas no nosso espetáculo.

O “Espaço Entre” escolheu estudar Shakespeare em 2022 e agora Molière. Qual é a importância de introduzir autores clássicos na formação teatral das crianças?

Os alunos aprendem a base do teatro e o que são os bons personagens a partir dos autores clássicos. Com Shakespeare enfatizamos a tragédia, o lúdico e o mistério e agora a comédia clássica com Moliére. A partir do conhecimento dos clássicos, os alunos estarão aptos a conhecer qualquer texto.

Você mencionou que descobriu talentos entre seus alunos. Pode compartilhar alguma história inspiradora de um aluno que tenha se destacado após passar pelo seu ensino?

Sim, tenho alguns casos marcantes: Maria Carolina Basílio; Theo Almeida; Thales Miranda; Júlia Freitas; Alana Cabral; Vallentina Melleu; Miguel Moro; Miguel Galhardo; Caíque Ivo; são muitos casos de alunos que indiquei para testes depois de algum tempo praticando no Espaço Entre. E eles continuam estudando mesmo após os trabalhos e acabam pegando outros. É a prática, disciplina e persistência que contam mais que o talento puro.

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