Se você é ligado em redes sociais, é bem provável que já tenha consumido algum conteúdo de Julia Mendes. Com mais de 300 mil seguidores em suas redes @jujumecontatudo, a atriz que brilha como a beata fogosa Anita em “Mar do Sertão”, encara o desafio de interpretar uma das vítimas do trágico incêndio na boate Kiss em “Todo Dia A Mesma Noite”, da Netflix.
Completando 10 anos do incidente na boate Kiss, a série produzida pela Netflix é baseada no livro “Todo Dia a Mesma Noite: A História não Contada da Boate Kiss”, da jornalista Daniela Arbex, ilustrando cenas da luta das famílias na justiça, bastidores do evento e desdobramentos.
Começando a novela como a beata para lá de recatada, Anita tem se mostrado cada vez mais fogosa com Joel Leiteiro (Matheus Cardoso), que é assumidamente apaixonado pela personagem. Para Julia, é uma jornada de autodescoberta da personagem, que começa a ceder mais aos seus próprios desejos. Confira a entrevista!
Lançada no último dia 25 de janeiro, a série “Todo Dia a Mesma Noite” impacta o público ao relembrar os 10 anos da fatalidade que acabou com a vida de mais de 250 jovens na Boate Kiss, em Santa Maria. Como foi encarar o desafio de representar um acontecimento real que marcou tanto o país?
Certamente foi um dos maiores desafios da minha carreira. Eu nunca tinha participado de uma série baseada em fatos reais e foi realmente um grande desafio. A gente tinha em nossas mãos um grande dever que era realmente passar através das telas toda essa tragédia, essa dor, esse desespero, mas de uma maneira muito sensível e comprometida com o maior propósito da série que é realmente reivindicar por justiça. É toda a nossa preparação, toda a união da equipe tinha esse propósito maior e eu acho que isso graças a Deus está sendo refletido nas telas.
Além de tentar mostrar com o máximo de detalhes a noite trágica do incêndio da boate no dia 27 de janeiro de 2013, ela também representa a busca por justiça dos familiares pela perda de seus entes queridos. Acredita que viver a Susana possa ser uma experiência marcante pela complexidade do caso em que ela foi envolvida? Qual visão você adquiriu ao se aprofundar na história da Kiss?
A Suzana não foi apenas mais uma personagem na minha vida. Eu acho que como é uma série que se trata de uma história real, a Suzana foi uma possibilidade de viver uma personagem que clama por justiça. De certa forma, uma personagem que atravessa a dor de vários familiares que tiveram seus parentes perdidos e que suas vidas foram tiradas por uma impunidade total, pela falta de responsabilidade de uma pessoa. Viver a Suzana vai muito além de construir uma personagem. Viver a Suzana é um posicionamento. Um dos trabalhos mais marcantes, justamente por tudo isso que está por trás dela.

Durante sua carreira, você marcou presença em diversas novelas, tais como “Malhação: Vidas Brasileiras”, “Salve Jorge” e “Fina Estampa”, porém, nessa fase atual o seu destaque acabou indo para os streamings. Qual é a sua opinião sobre o impulsionsmento que essas plataformas trouxeram e o quanto elas vêm colaborando com o desenvolvimento da classe artística?
Tudo começou com as novelas mesmo na televisão, mas eu acho que hoje em dia para o ator, essa janela do streaming é extremamente importante não só por ser mais uma janela, como uma oportunidade para gente divulgar o nosso trabalho, principalmente para que haja mais oportunidades para que possamos mergulhar em personagens com camadas mais profundas. Em uma novela, muitas vezes a gente não consegue mergulhar tão profundamente porque as histórias acabam ficando um pouco mais na superfície e nessas séries menores, as personagens acabam ficando um pouco mais na superfície. Além disso, nessas produções menores, a personagem acaba tendo maiores ramificações e profundidades. Você consegue mergulhar mais profundamente na história e u acho que é superimportante que a gente possa abrir realmente o leque do audiovisual e o streaming realmente veio para coroar isso e para ajudar a nossa classe artística.
Além de atriz, com o tempo você se tornou bastante popular através das redes sociais. Em relação à popularidade, em 2017 foi levantada a história de que a atriz Natallia Rodrigues teria sido recusada em um papel por não possuir muitos seguidores em suas redes sociais. Como influenciadora você acredita que as redes sociais estabeleçam peso comercialmente nas escalações?
Hoje em dia, essa questão das redes sociais é uma questão complexa. Os atores se questionam muito se você tem que ter muitos seguidores e se isso de fato influência a ter novos trabalhos. Eu acho que depende muito, pois já tentaram contratar não atores, mas com muitos seguidores para fazer trabalhos e nem sempre isso corresponde positivamente. Acho que a gente tem que também aprender a jogar com o que tá acontecendo agora, e as redes sociais de certa forma estão ai bombando muito. Então, eu acho que a gente tem que saber usar isso a nosso favor. Eu, como atriz, acho que a gente que abraçar tudo que tá acontecendo, claro que se respeitando, fazendo as coisas que você de fato acredita.
Desde que o mundo é mundo, essa coisa da audiência, do que está em voga, acabando se influenciando talvez em contratações, mas, eu acho que não é uma verdade absoluta, acho que tem ai casos e casos, mas a gente sabe que isso conta sim. Hoje em dia então, é você pegar isso e usar a seu favor, mas obviamente sem ultrapassar os seus limites do que você de fato acredita dentro da sua profissão e nem se machucar, porém, entender o rumo do mercado e tentar se adaptar da melhor forma a ele, sem deixar de ser você.

Um dos outros personagens que fez recentemente e que chamou bastante atenção foi a Anita em “Mar do Sertão”. Como foi a experiência de viver essa personagem que ganhou uma personalidade tão marcante?
A Anita foi tudo na minha carreira e está sendo um presente na minha vida. Ela é uma personagem diferente de todas que eu já fiz, porque é de uma realidade muito oposta a minha. Uma mulher do interior do Sertão, de uma cidade pequena com os valores tradicionais muito intrínsecos dentro dela. Uma Beata que tem outro tipo de tempo, tanto de falas como de gestos e até de vestuário. Eu acho que esse é um dos maiores presentes, você poder interpretar alguém tão diferente de você, retirar todos os seus manejos, os seus hábitos diários, e colocar tudo isso digamos, dentro de um potinho em cima de uma estante e deixar ali adormecido e dar vida a uma personagem tão distante da sua realidade.
Ela também tem muitas camadas. Minha personagem é uma Beata e ao mesmo tempo sente um fogo muito forte pelo par romântica dela, que é o Joel Liteiro, interpretado pelo Matheus Cardoso. Ela não é nada óbvia e isso por matriz é muito bom. Você poder cavar várias coisas, descobrir dentro da sua personagem, ela ainda tá sendo uma caixinha de surpresas para mim.
Assim que foi lançada no dia 25 de janeiro desse ano, “Todo Dia a Mesma Noite” foi alvo de algumas críticas, pois segundo internautas, o lançamento dessa produção estaria reacendendo o sofrimento das famílias que perderam seus filhos na tragédia. Mesmo que ela possa fazer com que nos lembrarmos desse capítulo difícil da história da nossa sociedade, acha que a produção teve as suas necessidades para revisitar 2013?
Acho que de certa forma, inevitavelmente a série iria reviver e reacender algum tipo de sofrimento. Foi uma tragédia realmente muito dolorosa e sofrida. Acho que o principal e o mais doloroso nisso tudo é que poderia ter sido evitada… Então, é inevitável realmente, mas acho que o que a gente deve se atentar nesse caso é que a série está do lado dessas famílias. A série está indicando por justiça e que tá trazendo esse assunto à tona e que até hoje não foi resolvido. A série na verdade tá ai para revindicar uma coisa que todas essas famílias querem até hoje, que é a justiça.

A respeito de viver a Susana nessa nova série, como foi o processo de construção do personagem e qual cena foi a mais difícil de conseguir gravar? Chegou a rolar emoções genuínas?
A cena mais difícil certamente de reproduzir foi a hora do fogo na boate. Foi realmente um verdadeiro desespero. A gente tinha uma equipe muito profissional atenta e cuidando da gente. Em relação a essas emoções genuínas, a gente tinha nossa preparadora ali para conversar para qualquer coisa que viesse à tona. Obviamente, nós somos atores, mas nós somos, antes de tudo, seres humanos, então, reviver aquilo e saber que realmente aquelas pessoas passaram por aquela claustrofobia dentro daquela boate, foi muito forte. Eu falando agora me arrepio, e foi muito difícil. Na hora que a pessoa grita “Fogo!”, eu me lembro de que a diretora falou para eu dar um grito. Nessa hora, foi um grito que veio das minhas entranhas. Nunca vou esquecer-me daquele grito que eu dei. Foi muito difícil, mas a gente tinha realmente um respaldo muito forte da produção, da direção, e eu faço questão também de valorizar a figuração dessa série. Eles são um grupo que não é muito valorizado e a figuração dessa série eram mais de 300 pessoas e estavam junto com a gente, gritando, ajudando naquela força, daquele desespero que era necessário ter naquele momento. Eles não saíram em nenhum momento, estavam juntos concentrados e certamente ajudaram muito a fazer essa série acontecer.
A respeito das famílias que sofreram com as perdas de seus parentes e amigos no incêndio da Kiss. Por mais que sua personagem tenha sido apenas uma representação, acha que seria capaz de realmente conseguir sentir o que essas vítimas sentiram naquela trágica noite de domingo?
Olha… Senti exatamente o que eles sentiram, com certeza não. Acho que realmente não há a menor condição de sentir uma coisa que eu não vivi, porém, a minha profissão me dá essa possibilidade, que acho ser o que há de mais belo, viver histórias, mesmo que tão trágicas como essa. Então, o que eu posso dizer é que eu senti uma parcela mínima ali atuando, da dor e do sentimento profundo de desespero que foi estar dentro daquela boate naquele dia, naquela noite.
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