O escritor e poeta Wagner de Wahnfried apresenta sua nova obra, Pelos Poros dos Ventos, uma coletânea de poemas que atravessa temas como espiritualidade, tempo e autoconhecimento. Publicado sob o pseudônimo de Marcelo Gomes Jorge Feres, o livro convida o leitor a refletir sobre o sagrado presente no cotidiano, mesclando lirismo, filosofia e mitologia em versos que transitam entre o íntimo e o universal.
Com referências a Heráclito, Kierkegaard e ao dualismo Apolo/Dioniso, Wahnfried propõe uma leitura meditativa, em que ventos, borboletas, espelhos e teias se tornam metáforas da existência. A publicação reafirma o autor — vencedor do concurso nacional de poesias de Montes Claros (MG) e com 26 livros lançados — como uma das vozes mais consistentes da poesia filosófica brasileira contemporânea.
Sua obra parece costurar filosofia e emoção com muita naturalidade. Em que momento da sua vida a poesia passou a ser também uma forma de reflexão filosófica — e não apenas expressão de sentimento?
Em verdade, a poesia sempre foi, desde os meus inícios por, e com ela, expressão de reflexões filosóficas. Era jovem ainda, lá por volta dos meus dezesseis anos, quando, tomado por desconhecida e irresistível sensação de querer algo dizer/escrever, tomei de uma caneta (nos anos setenta ainda se escrevia à mão) e anotei: “A multiplicidade de coisas é estonteante, macro e microcosmos se relacionam em caminhos infinitos, constituindo um cenário imparcial onde se trava uma luta em meio à evolução”.
Os ventos, as borboletas e os espelhos aparecem como símbolos recorrentes em seus poemas. Eles surgiram de forma intuitiva ou representam conscientemente essa busca pela unidade do ser?
Mesmo parecendo incoerente, porém, fato é que o intuitivo é maior e contém a sua própria racionalidade. O caminho da lógica racional analítica, o caminho das ciências, desdobra-se por tempos longínquos, face às distâncias enormes a serem palmilhadas e cumpridas, enquanto o intuitivo, mais próprio das artes, é rápido em suas aproximações, abordagens e chegadas. Ventos, borboletas e espelhos representam metamorfoses, fluidezes e reciprocidades dualísticas do Monismo espiritualista ou cósmico.
O livro fala sobre a experiência do sagrado no cotidiano. Em tempos tão acelerados e materialistas, como o senhor enxerga o papel da poesia em reconectar as pessoas com o que é essencial?
A poesia é o fruto do belo encantamento do Divino Thaumazein; do Ser, em espanto de Big Bang, deparado com a totalidade em que, como essência, é Todo e Ponto, alternando-se dialeticamente frente a espelhos infindos. O sinal para o caminhar teleológico do Ser humano, sobre terras, é o Conhece-te a ti mesmo, o Nosce te ipsum! Porém, em esses caminhos à frente, tudo gira, roda e rodopia, em Manvantaras (Eras cíclicas) sorrindo.
Há uma tensão entre finitude e transcendência em seus versos. Escrever sobre o tempo é uma forma de resistir a ele?
Sim, poesia também é salvação, no tempo, e ao longo dele, do atemporal. Impressionei-me, há muito, com o muito grande e o muito pequeno, e também fiquei cego ao sair da minha Caverna e, assim como a personagem de Platão, fitar diretamente o Sol. Ilustro: há mais moléculas em um litro de água que todos os grãos de areia do planeta Terra, e isso é muito pequeno. A luz que dá sete voltas e meia em volta da Terra, em um segundo, leva mais de 3 bilhões de anos para dar uma só volta em torno de estrela conhecida. E isso é muito grande.

“Pelos Poros dos Ventos” é também um convite à contemplação. Em um mundo cada vez mais barulhento, como o senhor acredita que o leitor pode reaprender a silenciar e sentir a poesia?
Poesia se sente em tudo, e em cada coisa pequena, ou imensa. Ter os olhos de ver e os ouvidos de ouvir mostra e demonstra a infinitude de tudo. Tudo está em tudo, e Ponto é Todo, e vice-versa. Poesia não é só um momento de um só procedimento. Poesia é modo de Ser, sendo mesmo o próprio Ser, Poema, parte integrante da Vida, Poesia; e sentindo todas as rimas que são as sincronicidades que, só reafirmam, não haver ocorrências despiciendas, pois, como dito, tudo vale a pena se a alma não é pequena.
O senhor já publicou 26 livros e agora apresenta mais uma obra profundamente simbólica. Como percebe a evolução da sua escrita ao longo dos anos? Há algo que permanece inalterado?
Sim, sinto haver uma evolução imanente em meus escritos. Inalteradas, são as minhas certezas, as mesmas de sempre. O Ser é Eterno, evolui e somos, como já nos foi dito, deuses! Deuses em potência, utilizando-me aqui de um conceito de Aristóteles. Deuses em sementes! Porém, é, de nossos deveres e obrigações, o trabalhar de nossas “terras”, o sonhar de nossos céus! Tudo muda, disse Heráclito! E tudo apenas é o mesmo, disse Parmênides! E eis que a Verdade Absoluta é o somatório de todas as verdades relativas.
A mistura entre o lirismo e o ensaio filosófico é uma marca sua. Quando começa um poema, ele nasce da emoção ou de uma ideia que o instiga?
Nasce assim, de uma ideia, e bem assim também de uma emoção. No silêncio de dentro, atiro aos altos, então, uma letra, de uma palavra, em uma verdadeira isca, aleatoriamente… e o Todo, atento, disponível e em assistências, surge como gênio de uma lâmpada que a garimpei, há tempos, dentro de mim. Tudo está por dizer e, se noventa e dois elementos constroem um universo inteiro, o alfabeto, todo, também poderá fazê-lo.
Se pudesse escolher um único verso de “Pelos Poros dos Ventos” para definir sua própria jornada como escritor e ser humano, qual seria — e por quê?
Poderia ser este:
A vida sempre escolhe por mim
Basta tomar suas mãos nas minhas
E dançar, sorrir e voar soprando ventos
E ela, ventania, abraça-me e tomamos assento
Em passarinhos, borboletas, em céus azuis tecendo
Teias de estrelas, enredos e firmamentos, ah! Em letras
E poderia ser esse poema porque, como a beleza está diretamente relacionada à síntese, aqui, nesses versos singelos, é dito que a vida compactua conosco nos mesmos desígnios de totalidade, aprimoramentos, evolução no Bem, no Bom e no Justo, para atingirmos, com a Poesia, os Píncaros dos Altíssimos!