Ricardo Connti fala sobre parceria inédita com Marcelo Serrado em curso no Rio de Janeiro

Luca Moreira
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Em tempos onde as câmeras deixaram de ser apenas para a arte e tornaram-se instrumento de reuniões online, aulas, consultas, divulgação de trabalho e entre outras funções, Ricardo Connti – ator, diretor com mais de 25 anos de experiência em televisão, teatro e cinema – ampliou as fronteiras de seu projeto “O Poder da Câmera”. O curso ganhou uma nova casa e chega à Fundação Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, através do apoio do diretor artístico, Marcelo Serrado. Ricardo e Marcelo já trabalharam juntos no filme “Crô” e no musical “Tom e Vinícius” e irão repetir a parceria. O curso estreia no dia 2 de setembro, onde fica até dezembro com turmas para todas as idades.

Para quem já trabalha com audiovisual ou está iniciando a carreira, “O Poder da Câmera” vai além de apenas ensinar técnicas artísticas. De acordo com Connti, o curso será um treinamento que permite a sensibilização, o desenvolvimento e o autoconhecimento do ator, derrubando mitos que afastam o artista do teatro de atuar em televisão e cinema. Confira a entrevista!

Em tempos atuais, as câmeras ficaram não apenas nos estúdios, e com a pandemia, acabaram ganhando um papel crucial que foi o de manter a união entre as pessoas, tanto no trabalho como no ambiente familiar. Sendo um profissional da mídia, acredita que a época na qual estamos passando esteja se tornando um período fértil para ampliarmos alcances na dramaturgia?

Sem dúvida. Todos os tempos, todas as crises, são sempre material fértil para a dramaturgia. Tudo vira Roteiro. Assistimos excelentes produtos produzidos utilizando como pano de fundo a pandemia, o isolamento social, o confinamento. O Bruno Mazzeo fez com a esposa dele o “Diário de um Confinado”, quase todo filmando dentro do próprio apartamento. Estaremos sempre nos reinventando, a reinvenção não é novidade para os artistas, porque a dramaturgia é um recorte das nossas próprias vidas. É um período muito fértil toda essa polarização que estamos vivendo, é aliás o melhor que podemos tirar em meio a tanta dor e desigualdade social e tantos conflitos do nosso país e no mundo.

Com anos de experiência, nesses últimos tempos, você está embarcado na ampliação do projeto “O Poder da Câmera” – um curso que busca aumentar o alcance de conhecimentos nas artes cênicas. Qual a importância desse curso para os atores e como foi estruturada sua metodologia?

O Poder da Câmera é um mix de toda a minha experiência profissional e amor pela minha arte num só projeto. Como ator, diretor e preparador de atores. A base que eu trouxe do teatro, que é a nossa grande escola, como ator e como professor de teatro por muitos anos, a experiência com TV e cinema atuando bastante como ator, pesquisador de elenco e Preparador. O Foco virou a câmera desde que comecei a trabalhar como pesquisador de elenco na TV Globo, ali eu percebi a ampliação do trabalho do ator para este veículo tão apaixonante que é a câmera. A metodologia passa por aí, pela união de todas essas técnicas, das mais objetivas às mais subjetivas, o que acabou se revelando como uma excelente ferramenta para o autoconhecimento. Não só para os atores, mas como forma de entendimento pessoal para qualquer um, através da sua expressão artística, tudo ampliado pelas lentes das câmeras. Olhamos para dentro para expressar o que somos, entendendo melhor os nossos gatilhos emocionais e a serviço da arte. Acho que é excelente que qualquer ator experimente essas ferramentas, porque estará mais preparado para enfrentar um Set de filmagem e encontrar o seu melhor diante das câmeras, como personagens ou como eles mesmos.

Parceiros de cena em “Crô” e agora em projeto, o ator e diretor Marcelo Serrado vem o acompanhando nessa nova empreitada. Como nasceu essa parceria e a amizade de vocês?

O Marcelo é um grande ator e uma grande pessoa. Ambos somos crias do teatro O Tablado, em gerações diferentes e a vida artística nos aproximou em algumas experiências interessantes, nos cruzamos em festivais, sempre houve uma admiração mútua. Quando voltei de um período de 07 anos em Portugal, meu primeiro trabalho foi no Musical “Tom e Vinícius”, uma produção linda com o Marcelo como Tom Jobim. Ele e o diretor Daniel Herz apostaram na minha participação como ator e cheguei a virar ensaiador do elenco quando viajamos, cobrindo alguns furos e faltas de atores, que eventualmente tivessem alguns problemas. Ali se construiu uma grande confiança. Quando surgiu o filme do Crô, o Marcelo já confiava bastante no meu trabalho e recomendou muito a minha contratação como Preparador de elenco, e nos aproximamos ainda mais. Ele me indicou algumas vezes como preparador de atores para alguns colegas em alguns desafios específicos e até outros profissionais que estiveram durante este período se virando com a câmera. Foi desta forma que pude levar até ele o projeto e ele de cara apostou, levando adiante na Cidade das Artes.

As primeiras turmas do curso terão início no dia 2 de setembro, com previsão para que fique até dezembro na Fundação Cidade das Artes. Como estão sendo suas expectativas para esse período?

As expectativas são as melhores, apesar do momento delicado que estamos vivendo. Meu trabalho em 2020 se transformou numa versão online das aulas. Participei de um projeto lindo com a Secretaria de educação de Recife dando aulas para professores do ensino público que estão dando aulas ao vivo para um canal aberto e Youtube, mas além disso, este será o retorno das turmas presenciais. Muitas pessoas estão ávidas por voltarmos ao presencial e espero que isso se confirme e aos poucos tenhamos mais seguranças para isso, com máscaras e todos os cuidados, obviamente.

Naturalmente pensado para o desenvolvimento e formação da classe artística, o curso “O Poder da Câmara” se abriu e passou a englobar e a ser útil para qualquer um que busque uma reinvenção. O que o fez enxergar para além de seus objetivos iniciais e como avalia o investimento deste curso em sua carreira?

A pandemia me fez enxergar isso. Uma avalanche de vídeos sendo produzidos para a internet e muitos profissionais gravando seus cursos, dando aulas online, trabalhando de forma remota. Eu sou professor numa escola e cheguei a auxiliar os professores da instituição dando dicas dessa relação com a câmera. O que parece óbvio e simples para algumas pessoas, não é tão simples para muita gente. Além disso, estamos cuidando de algo que vai muito além da iluminação, do posicionamento da câmera, do áudio, da edição. Tudo isso é abordado, mas é a atitude, a segurança, a leveza, o tom certo, a dinâmica da voz, o equilíbrio entre todas essas coisas, já que todos foram obrigados a transformar suas casas, consultórios, escritórios em estúdio de TV para darem conta da demanda de um momento tão inesperado. Foi nítida essa necessidade de ajudar as pessoas e também fazer disso o meu foco profissional num momento igualmente difícil para a cultura do nosso país.

Uma das bases que sua metodologia foi estruturada foi no aperfeiçoamento da desenvoltura e na segurança da comunicação. Como classificaria a importância dessa ciência social no dia a dia das pessoas?

A comunicação e o marketing se transformaram muito com a internet, com as redes sociais, com o Ensino a distância, com as plataformas de cursos gravados e tantas ofertas. Isso virou uma mina de dinheiro para muitos profissionais, principalmente aqueles que criaram seus métodos para atingir as massas com seus produtos. Além disso, o celular virou um grande vício na vida das pessoas. A busca por conteúdo virou uma obsessão. Da mesma forma, nos tornamos muito mais exigentes do que queremos assistir, comprar, consumir. Quanto mais aprimorarmos essa comunicação, mais nos destacamos, com profissionalismo, que passa pela segurança e pelo valor do conteúdo oferecido.

Ainda falando sobre a comunicação, uma das consequências reconhecidas que foram trazidas em razão do isolamento social foi exatamente a inibição nas habilidades sociais das pessoas. Pelo que vem observando no curso, as pessoas vêm conseguindo restabelecer relações com naturalidade após o período de maior afastamento?

Sem dúvida alguma o isolamento social trouxe prejuízos muito grandes ao psicológico das pessoas com toda a falta de socialização. A arte se mostrou vital para todos. O que ocorreu foi que pessoas que nunca precisaram dessa exposição diante das câmeras, precisaram arranjar meios de o fazer, pela sobrevivência dos seus negócios. Já ouvi relatos de alunos durante este período, que o curso foi a salvação para esses enfrentamentos. Eu tive a sorte de juntar numa sala de aula virtual alunos de todos os locais do país e até atores de Portugal e da Irlanda. Isso também facilitou muito essa reconexão entre as pessoas.

Durante seu tempo como preparador de elenco na Rede Globo, houve diversos trabalhos notáveis sendo exibidos nas telinhas, tais como “Verão 90” e “Juntos a Magia Acontece”. A psicologia usada na preparação de um elenco dentro de um estúdio é semelhante aos métodos aplicados no curso, tanto com o público geral como com os artistas? Qual a importância dessa preparação na prática?

Sim. Na verdade, eu não fui contratado pela Produção de Versão 90, foi um convite do próprio Jesuíta para dar um suporte a este trabalho. Mas sim, os workshops realizados dentro das emissoras ou em outras produções de cinema, são exatamente com as mesmas ferramentas, com a única diferença que numa produção desse porte, estamos servindo ao trabalho do diretor, com objetivos determinados por ele e com relações entre as personagens pré-estabelecidas. Um elenco permite unirmos atores de diversas idades num mesmo processo de preparação, no trabalho com turmas, os profissionais são divididos por idades.

A importância de uma preparação, como em qualquer outro trabalho, é o desenvolvimento dos talentos e habilidades através da prática. Assim como um jogador de futebol e um esportista só alcança o seu melhor com o exercício daquele ofício, através do estudo, do desenvolvimento, da obtenção de conhecimentos e com muita prática. Acho que era um pensamento de Aristóteles a frase “Somos o que repetidamente fazemos. A excelência portanto não é um feito, mas um hábito”.

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