A compositora carioca Paula Raia verá suas canções interpretadas por um dos maiores nomes da música brasileira, Ney Matogrosso, no novo espetáculo da Focus Cia de Dança, “Entre a Pele e a Alma”. Estreando no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 28 de junho, a produção marca uma nova colaboração artística entre Paula e o diretor Alex Neoral, celebrando os 30 anos de carreira do coreógrafo. Inspirado na obra “O Jardim das Delícias Terrenas” de Hieronymus Bosch, o espetáculo promete uma fusão de música e dança que homenageia o impacto cultural de Ney Matogrosso.
Além de seu trabalho com a Focus Cia de Dança, Paula Raia está atualmente em estúdio, preparando seu novo álbum. A artista, que já lançou um disco solo como RAYA e vários singles com o duo Tuim, tem se destacado na cena musical brasileira, tendo se apresentado em festivais como Rock the Mountain e em casas de show renomadas como Solar de Botafogo e Manouche. Suas composições têm sido interpretadas por nomes proeminentes da nova geração, como Chico Chico, Julia Mestre e Mariana Volker, e seus poemas foram publicados no livro “Foi o vento que me trouxe até aqui” (Patuá, 2022).
O próximo projeto de Paula, “Coisa Nossa”, uma colaboração com João Mantuano, será lançado pelo selo Toca Discos ainda em 2024. Com isso, a artista continua a expandir seu repertório e a conquistar novos públicos, consolidando sua posição como uma das vozes mais versáteis e criativas da música brasileira contemporânea.
Como surgiu a oportunidade de compor as canções para o espetáculo “Entre a pele e a alma” da Focus Cia de Dança?
No ano passado, Alex Neoral, meu amigo e diretor da Focus, me fez o convite para escrever a trilha original do espetáculo. Já tínhamos tido a oportunidade de trabalhar juntos em um outro espetáculo da companhia, chamado Bichos Dançantes, o qual também fiz a trilha sonora e direção musical. Como tivemos uma boa experiência no passado, topei na mesma hora. E de um ano em diante comecei a me aprofundar nas minhas pesquisas para essa trilha, a trocar referências com Alex. É uma parte do trabalho que tenho muito prazer em fazer.
O que você sentiu ao saber que Ney Matogrosso iria interpretar suas composições no espetáculo?
Senti um misto de prazer e responsabilidade. Afinal, o maior intérprete do nosso país – na minha opinião – iria cantar minhas canções. Eu ainda não tinha vivido na minha estrada nenhum momento como esse. Normalmente, componho coisas para mim mesma cantar, salvo canções que outros artistas cantaram junto comigo. Júlia Mestre, Chico Chico e Mariana Volker. Portanto é uma maneira diferente de se pensar o processo artístico. Por outro lado, Secos e Molhados e toda a discografia do Ney já tava muito enraizada dentro de mim. Isso tornou as coisas mais fáceis. Eu tinha uma noção do que ele gostava, do que poderia funcionar na voz dele.
Quais foram as principais inspirações para criar as letras das músicas que fazem parte desse novo trabalho?
No processo com Alex, passamos por várias referências, sendo a principal delas, que é o mote de desenvolvimento do espetáculo, a Obra “Jardim das delícias” de hieronymus bosch. Trata-se de um tríptico, que passa pelo paraíso, a vida terrena e o inferno. Passamos por temas que falam da carne, da alma, dos pecados, do homem, do bicho, dos desejos e por aí vai. Um livro bastante importante para esse processo foi A Alma imoral, do Nilton Bonder, que traz uma perspectiva superinteressante sobre a tradição e a traição e um olhar diferenciado sobre a alma e a transgressão.

Como foi o processo de colaboração com Sacha Amback na direção musical e nos arranjos das canções?
Eu adoro trabalhar em conjunto porque coisas que normalmente habitariam um terreno já conhecido e seguro por mim, seguem caminhos inusitados e lindos. Isso é muito legal. Sacha trouxe um olhar bem contemporâneo em termos de sonoridade para o espetáculo, muito também por estímulo do próprio Alex e eu achei isso o máximo. Nós fomos juntos definindo esses caminhos, discutindo ideias ao longo dos meses, entendendo a temperatura de cada canção, onde cada uma estava localizada dentro do espetáculo (inferno, jardim das delícias e paraíso). E a partir daí ele foi trazendo os arranjos e dividindo comigo todo o processo de criação dele também. Criamos uma relação linda de trabalho e de confiança e certamente teremos outros trabalhos pela frente. Encontrei um super parceiro.
Você mencionou que Ney Matogrosso representa liberdade, doçura e paixão para você. Como esses elementos influenciaram suas composições?
A doçura, a paixão, a liberdade são elementos que, não à toa, fazem parte da narrativa do próprio espetáculo e são palavras e sentimentos que rodeiam a minha pesquisa também. Então as poesias não estavam distantes de mim, de certa forma, ainda que não fossem feitas e pensadas para mim e estivessem encaixadas dentro de um contexto específico. Eu trabalhei bastante as melodias, as variações rítmicas. Trouxe samba, mpb, galope, rock, enfim. Me dei essa liberdade de, dentro dessa pesquisa, abraçar diversos gêneros da música. Olhando para o repertório do Ney, ao longo do tempo, a gente consegue enxergar esse leque de possibilidades. É um intérprete que passeia por todos esses gêneros. Acho que também me inspirei nisso.
O que você mais admira no trabalho de Ney Matogrosso e como isso se refletiu nas suas composições para o espetáculo?
A forma como ele canta é muito marcante. Tem muita personalidade. Quando a gente escuta o Ney cantando não há dúvidas de que é ele. Ele vai do drama à ironia, da alegria à tristeza, do peso à leveza, sempre com muita beleza e muita força. É lindo de ver um artista tão visceral. Ele tem até hoje os agudos muito presentes. Então eu busquei trazer melodias que pudessem explorar esses lugares da voz que são marca registrada do trabalho dele ao longo de todos esses anos.

Como foi trabalhar novamente com Alex Neoral, diretor da Focus Cia de Dança, e como ele contribuiu para o processo criativo?
Trabalhar com o Alex é um presente para qualquer artista. É sinônimo de trabalhar com liberdade, com a cabeça aberta. Eu levava coisas para ele, assim como ele já me devolvia coreografias prontas para que eu pudesse criar em cima. Eu levava referências para ele, assim como ele me devolvia outras. Livros, canções, pinturas, ideias. Temos um grupo no WhatsApp só para colocarmos todas essas ideias e fomos nos encontrando com alguma frequência ao longo desse último ano para irmos lapidando tudo. Foi um processo bem fluido, de uma direção extremamente generosa e acolhedora.
O que o público pode esperar de “Entre a pele e a alma” em termos de experiência musical e emocional?
O público pode esperar uma mistura de elementos bem contemporâneos com muita poesia. Meu trabalho é muito feito em cima da palavra e das diversas sensações que podem ser geradas a partir dela. E o som nada mais é do que a manifestação dessas possibilidades de sentimento. Pode-se esperar canções mais alegres e coloridas e canções mais densas e obscuras. Da leveza, à densidade. Da sanidade à loucura. Acho que todo mundo pode se encontrar um pouco no que se apresenta ali. Afinal, estamos falando da carne, do ser humano, dos desejos, dos pecados, das descobertas, de amor.
Como a obra “O Jardim das Delícias Terrenas” de Hieronymus Bosch influenciou a criação do espetáculo e suas composições?
Como eu mencionei antes, essa obra é um tríptico que descreve a história do mundo, dividida em três partes: o paraíso, o inferno e os prazeres da carne. O espetáculo, tal como a obra é dividido também nessas três partes, cada uma com sua devia atmosfera. Não é uma representação do quadro de forma literal. Mas uma inspiração e um questionamento. As canções que se localizam na primeira parte do espetáculo são mais quentes, mais duras, retilíneas. A poesia um pouco mais pessimista, até que se possa refletir e chegar a um senso de coletivo. A parte do meio é mais livre. Fala-se do pecado. Do desejo. Do amor, da ilusão, da ganância também. Do sonho. Até que se possa fechar, na terceira parte, com um pássaro branco, que é a representação da alma livre. Com uma melodia mais angelical e leve.
Quais são seus próximos projetos musicais e literários, e como essa experiência colaborativa com Ney Matogrosso e a Focus Cia de Dança influenciou seus planos futuros?
Desde 2022 venho trabalhando num novo projeto, junto com meu parceiro e amigo, João mantuano, chamado Coisa Nossa. É uma união realizada por nossos produtores e empresários, Felipe Rodarte e Constança Scofield, donos do selo Toca Discos e do lendário estúdio Toca do Bandido. Gravamos um disco com 12 faixas autorais, compostas por nós dois, que será lançado ainda esse ano. Esse projeto passeia por diversos gêneros da música brasileira. Foi uma oportunidade que eu e João encontramos juntos para estudar a diversidade musical do país. Tem sido um exercício super rico de composição e pesquisa. Sobre a experiência com o espetáculo entre a Pele e a Alma, foi uma experiência incrível poder me colocar como compositora de outros cantores. Pretendo também seguir esse caminho de direção musical e de trilha sonora, de composição para outros artistas, em paralelo à minha carreira enquanto cantora. Creio que uma coisa ajuda muito a potencializar a outra.
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