Radicada há mais de dez anos em Nova Iorque, a diretora e produtora executiva Laura Barker — conhecida por seu protagonismo no teatro e cinema norte-americanos e por fundar o New York Brazilian Film Festival — estreia agora como fotógrafa. Sua primeira série autoral revela um novo gesto criativo ao lado da atriz e modelo Priscila Reis, protagonista da série Stupid Wife e do drama Todo Dia a Mesma Noite, em um ensaio cru, urbano e poético captado pelas lentes de Laura no coração do Brooklyn.
Você já conquistou reconhecimento no teatro, cinema e televisão dos Estados Unidos, mas agora estreia como fotógrafa em um ensaio impactante com Priscila Reis. O que te motivou a transitar para a fotografia e o que encontrou de diferente ou semelhante nessa nova forma de expressão artística?
O cinema sempre foi meu ponto de partida, não apenas como linguagem, mas como forma de ver o mundo. A fotografia, para mim, é uma extensão desse olhar. O que mudou foi o tempo da criação: no cinema, há um processo longo, estruturado em narrativa e continuidade. Já a fotografia me permitiu trabalhar no instante, confiar no que aparece entre um movimento e outro. O que permanece igual é a construção da atmosfera, da personagem e da cena. Mesmo em um clique, continuo pensando nesta composição, como se cada foto fosse um frame de um filme que não precisa ser explicado. Foi isso que me atraiu: a liberdade de contar uma história sem depender da lógica do roteiro e de muito movimento.
Ao escolher o preto e branco como estética principal para o ensaio, você fala em eliminar o excesso para revelar o essencial. Como você define esse “essencial” quando olha para e para a cidade que serve de cenário?
O preto e branco me ajuda a cortar os ruídos, uma escolha que direciona o olhar para a estrutura da imagem: luz, sombra, intenção. Quando fotografei a Priscila, percebi que o essencial não era algo que eu precisava construir, mas algo que já estava nela. Existe uma tensão sutil entre contenção e entrega que atravessa sua presença. E isso aparece nos gestos mais mínimos: no modo como ela sustenta o olhar, no tempo que ela dá ao próprio corpo, no modo como ela ocupa esse espaço nas lentes. Já o Brooklyn, com sua arquitetura mais urbana e ao mesmo tempo íntima, ofereceu o contraponto ideal, dando a sensação de que a cidade e ela não competem na imagem, elas se completam. E acho que é nesse diálogo silencioso que o essencial se revela.
A série fotográfica mistura elementos como couro, mesh e correntes metálicas com a arquitetura brownstone do Brooklyn. Como você enxerga a relação entre moda, arquitetura e narrativa visual nesse trabalho?
Moda, arquitetura e narrativa não estão separadas, todas falam de linguagem, de superfície e profundidade. O couro, o mesh e as correntes não estão ali apenas como estilo, eles têm peso, textura, fricção, cada elemento como parte de uma mesma gramática visual e da contraste com a rigidez quase cerimonial das brownstones, que carregam uma memória urbana muito importante para a cidade de Nova Iorque. Então a moda, nesse contexto, se torna linguagem, e a arquitetura, cenário e personagem ao mesmo tempo. O diálogo entre essas camadas constrói uma tensão silenciosa entre o contemporâneo e o histórico, entre o corpo e o concreto. É quase como uma coreografia entre o que se move e o que permanece. E a narrativa nasce exatamente aí: no atrito entre essas duas superfícies.
Você menciona que trabalhar com Priscila foi como aceitar um convite para uma dança. O que você acha que esse “fluxo” de criação trouxe de mais autêntico para o resultado?
Foi exatamente isso: uma dança em que nenhuma de nós sabia ao certo a coreografia, mas confiamos nas intuições e experiências que carregamos como bagagem profissional. Em vez de conduzir, preferi reagir — ajustar meu foco ao movimento dela, como numa câmera que encontra seu ponto exato a partir do que se revela. Isso exigiu que eu me entregasse ao tempo dela: aos intervalos, aos silêncios, aos microgestos. A Priscila tem uma consciência corporal rara e uma leitura precisa do espaço. O resultado é fruto dessa liberdade dirigida, onde o controle cede lugar à presença. E talvez tenha sido isso que trouxe algo singular: as imagens não nascem de uma ideia prévia, mas do modo como ela se moveu para mim.

Ao longo da sua carreira, você já esteve à frente de grandes produções da Broadway e festivais de cinema. O que te instiga a buscar novas linguagens artísticas, como a fotografia, ao invés de se acomodar em uma área onde já é reconhecida?
O conforto nunca me atraiu. Gosto de estar em movimento e expansão em todas as áreas da vida, e na carreira artística não poderia ser diferente. Sempre me vi como uma artista em trânsito. A fotografia me provoca porque me obriga a desaprender, e isso é essencial para me manter viva criativamente. Cada linguagem me desafia a ser iniciante de novo, a falhar ou acertar de um jeito novo, e é justamente nesse processo que eu aprendo. Talvez essa seja a maior fidelidade que posso ter comigo mesma: nunca deixar de escutar o que me move, mesmo que isso signifique começar do zero.
No New York Brazilian Film Festival, você promove o cinema brasileiro nos Estados Unidos. De que forma essa ponte cultural entre Brasil e EUA influencia a sua própria visão como artista e fotógrafa?
Essa ponte é a base do meu olhar. O Brasil me deu o fogo, a urgência, o sentido de coletivo. Os Estados Unidos me deram estrutura, técnica e espaço para experimentar. Vivo entre esses dois mundos, e essa tensão acaba sendo fértil para mim. Talvez por isso meus referenciais visuais também oscilem: entre a densidade sensorial de um cinema que vem do corpo, como o brasileiro, e a precisão formal que aprendi observando cineastas que constroem imagens como arquitetura. É o que me permite pensar fotografias que não se acomodam em uma estética única. Que não reduzem o Brasil ao exótico, nem os Estados Unidos à frieza. É no entre que eu crio.
A série em preto e branco também tem uma versão colorida, com tratamento gráfico artesanal. Como você decidiu incluir essas duas versões e o que cada uma delas representa para você em termos de narrativa visual?
A versão colorida surgiu no processo de pós, como acontece no cinema, quando você percebe que a imagem pode dizer outra coisa dependendo da atmosfera que constrói em torno dela. O preto e branco tem uma crueza que me interessa, que revela o gesto, a estrutura emocional do corpo em cena. Já a versão colorida, com o tratamento gráfico, me permitiu explorar outra camada de linguagem, mais próxima da montagem cinematográfica do que da captura. Não são variações estéticas, mas variações de ponto de vista.
Você disse que pretende intensificar sua presença no Brasil em futuros projetos criativos. Que tipo de conexões e inspirações espera encontrar por aqui para dar continuidade à sua trajetória artística?
Ainda estando aqui, sigo me sentindo parte ativa do que se produz no Brasil. O festival já é uma ponte concreta entre os dois países, mas quero que esse vínculo se aprofunde também no meu trabalho autoral. Tenho vontade de mergulhar mais fundo no cinema brasileiro, de colaborar com artistas locais, de me aproximar das narrativas que nascem aí com a escuta de quem está por perto, mesmo à distância. Dirigir um longa que se construa entre os dois territórios, nos temas, nos corpos, nas atmosferas, é um desejo real. Quero reunir tudo o que aprendi nesses anos entre linguagens, geográficas e processos, e colocar isso a serviço de uma obra que pertença aos dois lugares.
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