A cantora Nathalia Bellar lança a faixa “Deixa eu Colar”, uma celebração da latinidade, do amor livre e da força do sagrado feminino. Em colaboração com Guga Limeira e Carol Jongo, e com produção musical de Hugo Limeira, a música combina influências afro-latinas e nordestinas, refletindo um mosaico sonoro característico da Nova MPB. Com uma letra que explora o romance entre duas mulheres e a força do sagrado feminino, o lançamento é marcado por um videoclipe vibrante, filmado em Olinda e João Pessoa, e comemora os 18 anos de carreira da artista. Nathalia usa sua música para conectar-se com sua identidade e ancestralidade, destacando o poder transformador da arte.
O que inspirou a incorporação das influências afro-latinas e nordestinas na sua nova faixa, e como você acredita que elas contribuem para a sua identidade musical?
Sou uma artista nordestina, nascida na Paraíba de Jackson do Pandeiro e Vó Mera, expoentes da cultura popular que sempre me encantaram. Bem como bebo da fonte pernambucana de Lia de Itamaracá e Cordel do Fogo Encantado.
Eu vislumbrava fazer um som que pudesse trazer essas influências e juntar com as referências afro-latinas que me alcançaram com mais força nos últimos anos. São inspirações que nasceram da minha formação pessoal. Eu me lembro, por exemplo, de ouvir boleros com meu avô quando eu era criança. E de me encantar com a música pop da MTV nos anos 1990. Faz muito sentido pra mim trazer essa fusão para esse novo trabalho, onde me mostro muito mais inteira, sem amarras e com liberdade para explorar sons e estéticas que me fizeram a cantora que sou.
Como foi o processo colaborativo com Guga Limeira e Carol Jongo na criação de “Deixa eu Colar”? Quais foram as maiores contribuições de cada um para o desenvolvimento da música?
Guga e Carol são dois amigos que a música me deu. Artistas com os quais componho bastante. A canção começou a nascer a partir das minhas conversas com Guga sobre a estética do meu novo trabalho. Estávamos mirando nessa temática de afrolatinidade, desejando contar histórias do nosso cotidiano, falar sobre o amor e sua pluralidade. Ele começou a escrever “Deixa eu Colar” a partir desse mote. Paralelamente, eu e Carol estávamos fazendo outra canção de amor que se chamava “Pedacinho de mar”. Mandei pra Guga ouvir. Ele se apaixonou por alguns versos e tomou emprestados para terminar “Deixa eu Colar”. A mágica da composição em parceria é essa! As canções se abraçam, se transformam em outras. É uma fonte inesgotável de possibilidades.
Você mencionou que seu coração apontava para uma fase mais solar e dançante. Como você acredita que essa mudança de direção reflete na sua evolução como artista ao longo dos anos?
A arte é mutável, assim como nós somos mutáveis, essencialmente seres cíclicos. E a minha música sempre foi uma extensão do que eu sou. Essa mudança para uma fase mais solar e dançante reflete não só a minha busca por novos caminhos artísticos, mas também o meu momento como pessoa. Ao longo desses anos de carreira, eu passei por diferentes fases, explorei emoções e ritmos mais introspectivos. Agora eu sinto que estou num lugar de maior leveza e de celebração.
Novas sonoridades, novos públicos, novos mercados, maior abrangência. Estou abraçando outras formas de expressar as minhas verdades, sem deixar de lado as raízes da música popular brasileira que me formaram, mas me permitindo experimentar mais. Acho que essa liberdade criativa faz parte do amadurecimento e eu estou bem feliz de poder compartilhar isso.
A letra de “Deixa eu Colar” aborda o encontro romântico entre duas mulheres pretas. Qual é a mensagem que você espera que os ouvintes tirem dessa representação e como isso se conecta com a força do sagrado feminino?
A letra fala sobre desejo, sobre paixão, sobre o poder de ir em busca daquilo que se quer, e, sobretudo, sobre amar quem se quer. O que eu gostaria que o público pudesse absorver dessa mensagem é que não existe nada mais precioso do que a nossa liberdade. E, num Brasil que continua matando pessoas pretas e LGBTs, abordar o amor em todas as suas camadas, em todas as suas possibilidades, através de um olhar lúdico, divertido, sensual, tem o objetivo de quebrar alguns muros que ainda nos separam. A liberdade feminina sempre foi uma realidade distante. Apesar de tantas que vieram antes de nós terem aberto caminhos luminosos, a luta permanece mais viva do que nunca! Eu cresci rodeada de mulheres pretas fortes, felinas. Minha mãe, minhas tias, minhas avós, matriarcas muito poderosas. Sempre as vi indo em busca do que queriam. As líderes de suas famílias. E falar sobre mulheres livres que se querem, que se desejam e se buscam é falar sobre o sagrado. O sagrado está também nas cores que usamos, naquele vermelho de Oiá, no dourado de Afrodite. Costumo dizer que somos todas essa deusa que a letra evidencia, movidas pelo instinto que nos motiva a transformar o mundo a nossa volta.
O videoclipe da música foi filmado em locais icônicos como Olinda e João Pessoa. Como a escolha desses locais e a estética do clipe ajudam a transmitir a energia e a mensagem da música?
A música já traz em sua poética elementos muito visuais. Em um dos trechos, fala sobre a quentura de “oitenta carnavais”. Traz um recorte desse nordeste em que faz calor praticamente o ano inteiro, em que o carnaval tem sua força nas ruas e os amores saem de casa para dançar. Então, a escolha por Olinda veio dessa energia tropical e carnavalesca. As suas ladeiras, as cores dos seus casarões, tudo formava um pano de fundo perfeito para aquelas duas personagens habitarem. O encontro do sagrado com o profano, do moderno com o antigo. As cenas da deusa, refletem uma ambiência mais noturna e boêmia. Pensamos então no Centro Histórico de João Pessoa, palco da música independente e de grandes encontros. Também foi uma forma de criar ainda mais conexão entre as cidades que têm muito em comum, separadas por 1h30min de distância apenas. Obailê Santana, atriz que contracena comigo, é minha vizinha pernambucana. Tudo se conecta. Encontramos o visual perfeito para a atmosfera de magia e calor que a música pedia.
Você mencionou que a produção do videoclipe foi majoritariamente feita por mulheres. Como essa abordagem impactou o resultado e a sua visão sobre a representação feminina na indústria musical?
Eu sempre tive mulheres na linha diferente do meu trabalho, desde o início da carreira. Como eu falei anteriormente, eu cresci nesse ambiente de muita liderança feminina. Então, para mim, isso é algo natural. Não foi diferente com Deixa Eu Colar. Todo o processo criativo, todas as construções estéticas, logísticas, a execução propriamente dita, foi feita por mulheres com as quais eu trabalho. E eu tenho enorme satisfação de poder partilhar dos múltiplos talentos delas. Acredito que isso seja um diferencial. Mulheres que atuam em várias frentes. A gente consegue, com uma equipe pequena, fazer grandes coisas. E acho que não poderia ser diferente. Tinha que ser com elas, porque somente elas conseguiriam traduzir a dimensão desse trabalho, compreender a importância do que estava sendo abordado ali. Eu acredito que nós estamos seguindo um caminho muito bonito de ocupação de novos espaços. Há um tempo, era uma coisa dificílima ver uma mulher técnica de som, técnica de luz, engenheira de som em estúdios. Mas hoje a gente já as encontra ocupando esses espaços. Meu sentimento é o de que as mulheres já estão transformando a indústria da música para melhor.
Como a sua jornada de 18 anos de carreira influenciou a criação de “Deixa eu Colar” e o que este lançamento representa para você em termos de realização pessoal e artística?
Esses 18 anos me trouxeram maturidade, experiência, sobretudo para saber com mais clareza sobre o que eu quero falar e como eu quero falar. Eu acredito que foi fundamental no processo dessa produção porque eu já estava muito mais segura para escolher a minha equipe, para conduzir a direção geral do projeto de forma mais assertiva, para gerenciar as crises. A experiência realmente nos melhora.
O lançamento dessa música representa exatamente esse novo momento, onde eu me sinto mais liberta para experimentar novas sonoridades, para dialogar com o público mais jovem, sem abandonar a minha base, e acima de tudo, representa movimento, traz novas possibilidades de expansão, de furar bolhas e levar o trabalho além.
Você falou sobre como a arte e a música a ajudaram a se reconectar com sua negritude e ancestralidade. De que maneira você espera que sua música continue a promover essa conexão e inspire outros a explorar sua própria identidade?
Eu acho que qualquer manifestação artística nasce do desejo de expressar as nossas verdades, de trazer à tona coisas que, muitas vezes, a sociedade rouba de nós. A música me desvendou. Mas foi preciso um processo para eu compreender tudo isso, e muitas das respostas eu encontrei nas vozes que foram expoentes para mim, como Elza Soares, Nina Simone e Vanessa da Mata, por exemplo. Assim como essas artistas foram para mim, eu quero ser canal de empoderamento para as pessoas que, mesmo nessas novas gerações, ainda sentem vergonha do que são. Quero falar com naturalidade sobre a minha forma de amar, sobre a minha pele, sobre o orgulho que eu sinto de ter nascido nessa região que é tão frutífera, tão poderosa e historicamente tão discriminada. E quero que as minhas músicas conversem olhando no olho das pessoas. Que possam traduzir muitas das coisas que elas gostariam de dizer.
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