Jorge Antonio Salem resgata a história do tropeirismo em “Memórias de um Tropeiro”

Jorge Antonio Salem
Jorge Antonio Salem

Jorge Antonio Salem, genro do falecido tropeiro João Azevedo, mais conhecido como João Boiadeiro, lançou o livro “Memórias de um Tropeiro” para eternizar as histórias do sogro e homenagear a trajetória da família Azevedo. A obra, que registra as aventuras de João Boiadeiro pelas estradas do Brasil e países vizinhos durante a década de 1950, também traz um retrato detalhado do tropeirismo e sua importância histórica e cultural para o país.

Você pode compartilhar com a gente como surgiu a ideia de transformar as gravações feitas com João Azevedo em um livro? O que te motivou a eternizar essas histórias?

Durante muitos anos eu morei vizinho de meu sogro João Azevedo. Quase todos os dias, eu chegava em casa e junto com minha esposa, íamos a casa dele para ver como estava o casal. Sentado na sala, na sua cadeira de vovô, assistindo televisão, eu sempre interrompia com a pergunta, estimulando-o a falar sobre essa vida de tropeiro. Pensava, que um dia não o teríamos para contar essas histórias. Quem contaria para os bisnetos que estavam chegando e ainda viriam? Em setembro de 2020 ele se foi aos 95 anos. Ainda nesse ano estava se instalando a pandemia de Covid-19. Em março de 2021, minha esposa que estava em tratamento de câncer com quimioterapia, faleceu de covid-19. Foi uma tristeza muito grande e vi a necessidade de uma homenagem a eles dois. Tanto meu sogro como minha esposa. Assim, seria eternizado essas histórias e além dos netos e bisnetos, outras pessoas poderia se deliciar com essas histórias.

Quais foram os maiores desafios que você encontrou ao transcrever e organizar as memórias de João Boiadeiro para a publicação?

Muitas dessas gravações e histórias, estavam cortadas. Quando em roda, nos almoços de domingo, a gente conversava sobre o assunto e chegava alguém para perguntar outra situação que não era aquela. Estão o contar da história ficava prejudicada. Foram muitas vezes que começava a gravar uma história e parava. Um desafio, foi buscar em todas as gravações a sequência das histórias. Outro, foi buscar informações que pudessem confirmar a veracidade dessas histórias. Muitas vezes ele falava que tinha embarcado o gado em tal estação de trem e precisei fazer muitas pesquisas na internet para verificar a existência. Distância entre fazenda e cidade. Presença dos rios que havia passado.

Como você se preparou para escrever o livro? Houve algum aspecto específico da vida de João Azevedo que você achou mais interessante ou impactante?

No início eu só escrevi. Mas o processo foi um pouco mais longo quando resolvi realmente publicar. Mostrei para um amigo e professor Arnaldo Zubioli, que também é escritor, para que pudesse prefaciar o livro. Ele falou que não era aconselhado publicar uma obra com menos de sete correções e acatei sua sugestão. Foram sete correções e mais duas correções profissionais.

O meu sogro João Azevedo, sempre foi uma pessoa muito enérgica, e acredito que isso ajudou a não se entregar. Independente e a história dele se jogando no rio Paraná, para salvar um cavalo, mostrou o seu amor pelos animais. Sempre teve muito carinho pelos cachorros e os animais que tinha em sua chácara.

Como foi o processo de revisitar as cidades e locais mencionados nas histórias de João Azevedo para trazer mais autenticidade ao livro?

Foi uma viagem maravilhosa. Foram cinco dias de férias que tirei para essas visitas. Todas as cidades no Paraná, que faziam parte da rota Viamão-Sorocaba, eu passei. Foram fotos, visitas a museus, fazendas que no passado acolheram os tropeiros, lugares de grande perigo que se passava com as tropas. Compra de livros que contavam sobre a história da região. Com esse fato, a obra estabelece um veículo para estudar sobre a história do troperismo no Brasil e Paraná, além de entreter as pessoas com os relatos vividos pelo meu sogro.

Jorge Antonio Salem
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Você encontrou alguma história ou detalhe nos relatos de João Azevedo que se destacou para você durante a escrita do livro?

Cada história tem um momento especial. Mas, o relato de quando ele trazia gado do Mato Grosso e por causa de atraso em recolher esse gado, comprometeu a data de chegada em Nova Esperança. Seria o casamento do filho mais velho. Então para que ele pudesse chegar, deixou um filho de 14 anos seguindo com a tropa, trazendo esse gado e ele veio mais rápido na frente. Confiança nos funcionários dele que cuidariam de seu filho e confiança no filho que traria a tropa até Nova Esperança, liderando essa Comitiva.

O livro é escrito em primeira pessoa, do ponto de vista de João Azevedo. Como você trabalhou para capturar a voz e o estilo de narração dele?

Eu nunca falei para ele que estava gravando algumas das histórias. Acho que assim, ficava mais natural. Uma vez, tentei gravar, mostrando para ele que estava com o celular na mão. Ficou muito tenso. Não falava muito, o que é natural para uma pessoa. Mas, quando ligava o celular sem ele saber, ele se soltava, ria, contava tudo de forma muito espontânea. Escrever o livro na primeira pessoa, foi mais uma forma de homenageá-lo. Quem lê, sente a emoção que nós sentíamos quando ouvia ele contando as histórias.

Você acredita que a história de João Azevedo e do tropeirismo tem relevância para o entendimento da formação cultural e econômica do Brasil? Como você enxerga essa contribuição?

Os tropeiros foram fundamentais para abrir diversas estradas e formar vilas que se transformaram em cidades. No início, os tropeiros eram os condutores de animais, mas também de notícias para muitos povos. Alguns cansados dessa vida, constituíram famílias em diversas paradas em fazendas. Daí abriam comércios e estimulavam a região a crescer. Nessa época que meu sogro foi tropeiro, o transporte de gado e mulas através de caminhão era praticamente impossível. Trazer esses animais pelo pantanal mato-grossense. Na década de 50 até 70, poucas estradas eram asfaltadas. Levar a diversas regiões do Brasil a culinária improvisada, mas que matava a fome.

Como você espera que os leitores se conectem com o livro e com a história de João Azevedo? O que você gostaria que eles levassem dessa leitura?

Toda vez que converso com um leitor, falo para ler pausadamente, se colocando em cada história e tentando viver esses momentos que eles passaram. Levantar antes do sol, tomar o café tropeiro, andar lento pelos caminhos, vendo as paisagens, rios. Muitas coisas boas eles viviam. Também sentindo as situações ruins, como o frio, a chuva, andar por dias dentro do pantanal alagado. Muitas vezes, reclamamos de um friozinho ou uma chuva, parecendo que somos muito infelizes, mas esse povo não desistia. Seguia sempre em frente. Temos que tê-los como exemplo e parar de reclamar de qualquer coisa que acontece conosco.

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