Hugo Gross e a importância de representar com orgulho a classe artística

Luca Moreira
16 Min Read

No teatro desde 1985, o ator Hugo Gross marcou presença em vários momentos importantes e consagrados da dramaturgia brasileira. Com mais de 25 novelas em seu currículo, ele ocupa há cerca de seis meses o cargo de presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado do Rio de Janeiro, o SATED/RJ.

Apesar de estar fora das telinhas durante uns anos, o ator realça sua saudade de estar integrando um elenco nas telinhas, e nesse momento, luta para trazer o devido reconhecimento para sua categoria profissional. Confira a entrevista!

Na profissão de ator desde 1985, há cerca de seis meses assumiu o posto como presidente do Sindicato dos Artistas no Rio de Janeiro. Como é a responsabilidade de estar representando a categoria da profissão que já está há tanto tempo em sua vida?

O primeiro espetáculo que fiz foi em 1985, uma obra de William Shakespeare, dirigida por Antunes Filho, com Juca de Oliveira, com o qual eu contracenava e fazia o neto dele — o Duque de York, enquanto Juca fazia o Duque de Gloucester. Eu assumi a presidência do sindicato há seis meses apenas por uma questão estatutária, pois o antigo gestor veio concorrer a um cargo político.

A responsabilidade, mesmo tendo tão pouco tempo, é muito importante, porém, eu não sou presidente, nós somos presidentes, pois é um grupo que eu dependo de todos eles, da diretoria efetiva e auxiliar para que o SATED tenha êxito. Esse esforço acaba tendo um feedback muito positivo para o associado, além de estar protegendo toda a classe artística. Eu devo muito ao Diego Ladeira, Henrique Sater, Pablo Oliveira, Pablo Rodrigues, José Cisneiro, Jubete Pinho, enfim, toda a gama da diretoria que trabalha em prol do SATED.

A esse ponto do jogo, já não é novidade a discussão que se levantou nos últimos meses sobre a questão da falta de registro profissional pelos envolvidos em diversas produções. Qual foi o ponto de partida que os levou a abrir os olhos para essa situação atual e como estão sendo as etapas de vocês de modo a organizarem os profissionais? E qual seria o principal motivo disso estar acontecendo no mercado brasileiro?

Essa falta de registro é algo que já está acontecendo há muito tempo. Eu penso que as pessoas não têm boa vontade, não querem moralizar, não querem tomar as régias, fazer unicamente o que é correto e o que é a lei para que assim ela seja cumprida. Eu tenho a leitura que agora com essa nossa nova gestão de equipe, nós queremos muito moralizar e mostrar que a carreira artística tem que ser respeitada.

Nós estamos de modo geral — quando digo nós, digo o SATED — estamos pegando duro em notificar e informar de que todas as produções, sejam elas televisivas, de streaming ou teatrais, devem ter suas fichas técnicas antes de sua estreia, colocada em conferência do número do registro junto ao SATED. Isso é uma maneira de coibir qualquer tipo de pessoa que não tenha registro, que consiga exercer a carreira.

Porém, nós temos também uma brecha na legislação que nós podemos ceder uma autorização especial de acordo com cada obra e produto para cada determinado personagem. Por exemplo, se a pessoa for fazer um mecânico, a produtora, a emissora, ou quem seja a responsável, manda um email informando que quer uma autorização para o mecânico, aí nós analisamos e autorizamos ou não. Esse procedimento não confere o registro profissional para ela, apenas é uma autorização específica e especial.

Recentemente, nós também tivemos a notícia de que devido a essa situação do registro, a Rede Globo teve o cancelamento da produção de “Malhação” devido a denúncias de contratação de profissionais não registrados. Você acredita que essas ações possam chegar a atingir atores registrados também na emissora?

Eu acredito que a Rede Globo, como toda empresa televisiva, elas estão tendo esse cuidado de preservar a categoria e todos os artistas que fazem parte do quadro dela. Se teve o cancelamento da produção, eu não estou nem sabendo. Porém, eu acredito que estão tomando esse cuidado também! Estão peneirando em respeito a categoria, uma emissora de ponta, que hoje todas são, eles geram empregos e querem trabalhar com gente qualificada. Eu suponho que isso não vai atingir negativamente nenhum integrante das emissoras.

Por mais que exista uma permissão especial para serem feitas participações especiais em produções por não atores, como é o caso do “star talents” nas dublagens, por exemplo. Você é a favor ou apresenta alguma crítica a essa escolha das distribuidoras?

Eu acho que o empresário tem o direito de escolher quem ele quer que venda o produto dele, por isso que existe essa autorização especial específica para tal. Acredito que, eu não tenha essa audácia de criticar nenhuma distribuidora até porque eles estão gerando emprego, e nós temos que trabalhar. Nós, o Brasil tem que funcionar… Rio de Janeiro, São Paulo, tem sempre que dar trabalho. Então, na legalidade, eu acho que tá perfeito.

Já existiram muitas pessoas de fora do meio, que ao fazerem legalmente participação em outras produções acabaram sendo bastante elogiados pelos seus trabalhos. Você acredita que se essas pessoas se dedicassem a estudar para realmente se profissionalizar, poderiam ser bem aceitas pela comunidade artística?

O estudo é a base de tudo para um grande ator para você poder entender o que você está fazendo. Existem pessoas com mais facilidades de interpretação, decorar, e também de dar vida a algo e ao seu personagem. Eu acredito que estudando, sempre será bem-vindo. Acredito que isso seja ímpar. O estudo traz o conhecimento pleno.

Em um caso recente que envolveu a cantora Ludmilla, foi percebido que mesmo com as manifestações do sindicato afirmando a não existência de seu registro, algumas personalidades do meio artístico acabaram apoiando a sua participação em um projeto. Como você enxergou essa situação a partir dos próprios artistas?

No caso da cantora Ludmila, eu julgo que ela acabou sendo jogada aos lobos, na arena dos leões. Eu acho que não é pelo fato dela ser cantora, que vai dar o direito dela interpretar, dela fazer uma novela, peça de teatro ou um filme. São linguagens totalmente diferentes, e acho que ela deveria ter sido preparada. Não é nada contra ela. Acho ela uma excelente cantora, gosto dela, sei muito bem que ela é, ela movimenta o meio da música, porém, na área artística, nós temos excelentes atrizes que poderiam estar desenvolvendo esse papel, por isso que existe a autorização especial.

No caso dela, esse filme que nós vamos entrar com a ação, ela especificamente não pediu! Ou seja, ela não tem registro, ele não foi solicitado, o que não é o cargo dela, ela está sendo jogada aos leões por um produtor ou diretor que ao invés de que, ele deve ter ralado e batalhado para chegar onde chegou, e ter tido esse entendimento, ao invés de querer fazer a coisa na lei, ele acaba querendo burlar. Por esse motivo existe o sindicato, a delegacia do trabalho e as leis que existem para serem cumpridas! Eu acho que, com certeza, nós tivemos aqui vários telefonemas dando apoio total a isso, pois a nossa categoria não aprova esse tipo de conduta.

Em comparação com a organização dos profissionais da dramaturgia dos Estados Unidos, por exemplo, o Brasil ainda tem muito a avançar? Ou esses problemas que estamos enfrentando aqui também chegam a acontecer em Hollywood?

Eu acho que isso tem em todo lugar. Não sei quais são as leis americanas lá nos Estados Unidos, mais com certeza. Cantoras como Whitney Houston fez filmes, e que lá também devem pedir autorização e deve ter uma nomenclatura diferenciada. Com certeza acontece, e acho que é sério lá, pois eles são mais rigorosos que o nosso Brasil.

Falando um pouco sobre sua carreira também, não podemos ignorar que existem várias produções de renome em seu currículo, porém, tem um tempo que você não volta às telinhas. Já existem planos para um possível retorno às suas produções? Acredita que seu envolvimento no SATED possa gerar um certo “peso” nos ‘sets’ de filmagem?

O ator gosta de interpretar seja no teatro, na televisão, no cinema, seja onde for. É óbvio que sinto falta e quero voltar seja em qualquer meio. Nós batalhamos e continuamos batalhando como qualquer outro ser humano, como qualquer colega, como sempre batalhei.

Não posso deixar de falar que esperei muitas horas para falar com o grande Paulo Ubiratan que se tornou meu grande amigo, Robert Boury, Reynaldo Boury, são pessoas maravilhosas e que fizeram e fazem parte da história da dramaturgia televisiva brasileira.

Eu acho que não chega a ter peso não, porque eu fui escolhido, eu assumindo agora, foi por um trabalho burocrático e questão estatutário, e acho que não existe isso não, porque nós estamos fazendo o SATED com toda a diretoria, um trabalho de primeira linha, de enfrentamento, sem querer briga com ninguém, nós só queremos que seja cumprido o que manda a lei, essa de interpretação, de produtoras, e das televisões. Apenas isso. E acho que a união faz a força, então, com certeza, não acho que exista isso não.

Falando um pouco sobre sua vida pessoal, o seu filho Pedro está entrando na adolescência agora.  Como pai, qual é a maior herança que acredita que possa deixar para seu filho nessas próximas fases que acompanharão sua vida?

O Pedro é um filho maravilhoso e que eu amo assim como todo pai ama seu filho. A herança que quero deixar para ele é o caráter, gratidão e fé em Deus, porque sem ele nós não somos nada. Temos que entender que isso aqui é uma passagem, e que a gente tem que fazer da melhor maneira, sendo cordial, amigo, fazendo o bem sem olhar a quem, ter gratidão, que eu acho que é muito importante esse sentimento, além de ser generoso.

Como ator, você chegou a marcar momentos muito importantes na história da televisão brasileira, tais como “De Corpo e Alma”, que além do sucesso, acredito que todos nós com respeito nos lembramos da tragédia, “Quatro por Quatro”, “Coração de Estudante”, “Da Cor do Pecado”, e por aí vão várias produções. Qual acredita ter marcado mais a sua carreira e a mais difícil de chegar ao personagem?

Eu adorei todos os personagens que eu fiz. Acho que todos têm uma atenção especial. Um que foi bastante complicado, foi o Tavinho da novela “De Corpo e Alma”, pois ele tinha toda uma preparação psicológica, porque ele era um psicopata. Infelizmente, nós tivemos uma fatalidade chocante na novela, e foi bem difícil, porém, fui muito bem elogiado nessa produção, modéstia parte.

O Jonas e o Joélson da novela “O Profeta” do Duca Rachid e da Thelma Guedes, maravilhoso em poder fazer dois personagens, dando para ver nitidamente a característica de cada um, e eu gostei muito de fazer. Foram personagens difíceis, porém, muito bacanas.

No ano passado, a televisão brasileira completou seus 60 anos, dos quais desde 1975, você esteve presente em 46 desses anos. Olhando para trás agora, o que acredita que mais tenha mudado na sua percepção sobre o seu ofício e como vê o amadurecimento que passou nessas últimas décadas?

Eu acho que o que mudou nesse período todo foi a tecnologia. Ela está tomando conta de uma maneira em que o homem já está sendo substituído pela máquina. Antes, a gente pensava e degustava mais uma fala ou um texto, hoje, isso já é mais rápido, eu observo isso. A tecnologia está chegando e a gente tem que fazer parte disso, mas, sem sombra de dúvida, a essência nunca muda.

Como definiria o Hugo Gross como pessoa?

O Hugo Gross é um ser humano normal como qualquer outro, mas, eu tenho boas características, modéstia parte, sou bom amigo, sou fiel, sou parceiro, tenho um sentimento muito forte de gratidão, que eu acredito estar escasso na atualidade. Sinto-me bem mais maduro para muita coisa, batalhador, até porque passei por muitos problemas, como o uso de drogas, que hoje eu detesto, já bebi e hoje não bebo mais, nada contra aos que bebem, e isso só me fez crescer. Acredito que nós estejamos aqui de passagem e temos que plantar coisas boas para que depois elas possam ser colhidas. Para mim, a minha bandeira é o amor, pois é a base de tudo.

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