Morando há mais de 20 anos em Los Angeles, a atriz paulista Gabriela Kulaif transforma uma difícil experiência pessoal em arte com o filme BitterSweet. Contracenando com nomes como Erik Marmo, William Baldwin e seu marido, o ator e diretor Steven Martini, a produção leva para as telas a jornada da própria Gabriela ao lidar com o diagnóstico de autismo de Martini e de seu filho. Com exibições em festivais importantes e três apresentações no Marché du Film, durante o Festival de Cannes, o longa promete emocionar o público ao redor do mundo.
Gabriela, sua trajetória como atriz e produtora é realmente inspiradora, mas você já contou que sua história foi, de certa forma, moldada por uma experiência muito pessoal. Como foi ver a sua própria vida sendo transformada em filme, especialmente com temas tão sensíveis como o autismo em sua família?
Luca, o filme foi inspirado em umas das situações mais difíceis da minha vida. Na época eu não sabia que meu marido estava no espectro do autismo e foi muito difícil lidar com a ansiedade e ‘meltdowns’ dele sem saber da onde estava vindo aquele comportamento. Em uma das várias terapias que ele teve que fazer recebemos o diagnóstico do autismo e tudo fez sentido. Fazer o filme foi usar a arte como cura para tudo aquilo que passamos, e atuar em um papel inspirado em mim ao mesmo tempo que foi fácil trouxe de volta a tona sentimentos muito intensos.
O filme “BitterSweet” é um marco importante na sua carreira, além de ser uma produção que envolve toda a sua família. Como foi o processo de trabalhar ao lado do seu marido, Steven, tanto na vida real quanto nas telonas, considerando as dificuldades e as descobertas que ambos enfrentaram?
Foi maravilhoso produzir esse filme com ele, descobrimos uma compatibilidade enorme nessa área e nos uniu ainda mais. Já em casa tem muito mais desafios pois o Steven tem um super foco em escrever roteiro e no lado artístico em geral, e tem zero vírgula zero um de foco em qualquer assunto prático do dia a dia então fica bem puxado para mim! O lado positivo é que ele é super talentoso nesse lado criativo e escreve roteiro muito bem e isso nos traz um ótimo retorno no lado profissional.

Como você mencionou, o diagnóstico de autismo foi um divisor de águas para a sua família. Você poderia nos contar um pouco sobre o impacto que esse diagnóstico teve, não só no seu casamento, mas também na sua maneira de ver o mundo e o processo criativo por trás de “BitterSweet”?
O diagnostico nos trouxe clareza, informação e muitas ferramentas de como lidar com o autismo. Mudou completamente a nossa vida. Eu sou a favor que todas as pessoas no espectro sejam diagnosticadas, pois tudo muda quando temos acesso à informação, ferramentas e suporte. No caso do Steven, ele é super focado em música e cinema, os roteiros dele são geniais, prova disso é que dois filmes dele foram produzidos pelo mestre Martin Scorsese. O que ele precisa ajudar é mais com o lado prático que por sorte eu tenho de sobra.
Ao longo da sua carreira, você teve uma jornada que envolveu muitas reviravoltas, como mudar-se para os EUA com um filho pequeno e trabalhar em várias áreas antes de se estabelecer como atriz e produtora. Como essas experiências influenciaram sua abordagem artística e sua visão sobre o sucesso?
Ah Luca, eu acredito que todas as sementes que plantamos vão se juntando e se tornam a arvore da nossa vida. Ser mãe aos 18 anos me trouxe uma maturidade imensa logo cedo, fora o quanto o coração da gente se expande quando temos um filho. Eu amei ensinar Reiki, Kundalini Yoga, e trabalhar com terapias alternativas, foi mágico, me mostrou como temos o poder da autocura e da manifestação dos nossos sonhos, como atriz me deu ainda mais profundidade para atuar em diferentes papéis. O fato de eu ter sido publicitária por 5 anos me ajudou demais também na hora de produzir meu primeiro filme. Eu pretendo dirigir meu próximo filme e sinto que os anos que fui fotógrafa vão me ajudar muito na direção. Tudo que aprendemos vai se encaixando.

Sua trajetória inclui um trabalho imenso com autossuperação e adaptação. Em que momentos você sentiu que a arte e o processo de produzir e atuar em filmes como “BitterSweet” ajudaram a curar ou a lidar com as dificuldades de sua vida pessoal?
Eu confesso que me senti com superpoderes quando consegui produzir o meu primeiro filme e ver dar tudo certo! E atuar nele com o Steven após o diagnóstico do autismo, descobrir o quanto trabalhamos bem juntos, tudo se encaixou. Sou prova viva que a arte cura!
Você foi premiada como melhor produtora e recebeu diversas indicações por “BitterSweet”. Como essas conquistas afetaram a sua confiança e sua visão sobre o impacto que esse filme pode ter nas pessoas que, como você, passaram por experiências semelhantes?
Eu espero que “BitterSweet” ajude muitas pessoas e famílias no espectro autista e/ou neurodivergentes que passaram dificuldades como a que passamos.

Sua experiência como publicitária, jornalista, professora de Reiki e Kundalini Yoga também formou uma base rica para a sua vida profissional. Como essas diferentes facetas de sua carreira ajudaram a moldar a pessoa que você é hoje, especialmente no contexto de sua vida como atriz e produtora?
As práticas como Reiki e Kundalini Yoga me trouxerem consciência de quem eu sou e do que eu quero, e isso é um predeterminante essencial no sucesso da nossa vida pessoal e qualquer carreira que queiramos seguir.
O cinema brasileiro sempre teve um papel importante na sua vida e você expressou o desejo de atuar em projetos no Brasil. Quais aspectos do cinema brasileiro você acredita que têm o poder de tocar o público internacional de maneira única e especial?
O Brasil é um país que tem uma energia única e contagiante, isso se mostra através da nossa música e da nossa arte. A música brasileira é valorizada no mundo todo! E cinema é um veículo poderoso onde podemos mostrar para audiências enormes quem somos, a nossa graciosidade, a nossa energia alegre, a nossa poesia única.

Ao olhar para trás e refletir sobre a mulher que você se tornou, qual foi o maior desafio que você enfrentou em sua carreira até hoje, e como superou as dificuldades que surgiram no caminho?
Olha, vou lhe dizer que o maior desafio que enfrentei e enfrento é unir a maternidade e trabalho. Ser boa mãe e se suceder na carreira não é para qualquer um(a)! Principalmente no meu caso que moro num país onde baba não é tão comum como na cultura do Brasil, e não tenho família perto para ajudar. A sociedade tem que valorizar muito mais as mães que decidem seguir uma profissão. Sem nem entrar no assunto das mães que não tem opção e tem que trabalhar para sobreviver.
Para você, o que significa “abrir suas próprias portas”, como mencionou sobre sua jornada nos Estados Unidos? Como você enxerga o papel da mulher no mercado de cinema mundial e o impacto que histórias como a sua podem ter nas futuras gerações de artistas?
Morar e trabalhar em um país onde não nasci, aonde não conheço tantas pessoas, me fez ter que batalhar mais e ter muito foco para chegar aonde estou, diferente do brasil, que é o país onde nasci e onde conheço muito mais pessoas e automaticamente tenho mais portas abertas. Quanto a mulher no mercado de cinema, em algumas situações infelizmente ainda tenho que lidar com a masculinidade tóxica, mas estamos cada vez mais fortes, tivemos muitas conquistas e estamos em evidência. Chegou a nossa hora!
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