Juliana Dutra, escritora, jornalista, atriz e estudante de psicanálise, apresenta em seu livro de ficção, “Amiga Conselheira”, uma narrativa que mergulha nas complexidades das relações de duas amigas de infância. A trama se desenrola a partir de um momento crítico, quando Giulia, uma das protagonistas, tenta suicídio, levando Maria Vitória a uma busca profunda pelos sentimentos ocultos da amiga.
Ao tecer essa trama entre passado e presente, Dutra explora temáticas delicadas como bullying, abuso sexual, conflitos familiares e aceitação da sexualidade, construindo um enredo sensível e reflexivo. Unindo sua bagagem profissional, a autora dialoga de maneira acessível com o público jovem-adulto, traduzindo suas experiências jornalísticas, teatrais e psicanalíticas na escrita envolvente de sua obra inaugural publicada em 2023.
Como a formação em jornalismo influenciou a maneira como você escreve “Amiga Conselheira”?
O jornalismo me trouxe uma linguagem acessível, clara e objetiva. A regra de ouro na profissão é difundir a mensagem de maneira descomplicada.
Qual foi seu principal objetivo ao criar personagens inspirados na dramaticidade teatral para sua narrativa?
Surgiu de maneira natural, por meio da técnica teatral de busca por emoções reais do artista para trazer autenticidade aos personagens. Quando escrevo, busco dentro de mim os sentimentos correspondentes. Por exemplo, quando a protagonista está triste, tento me colocar no lugar dela naquela situação e imaginar sua angústia, me conectando com seus pensamentos. Em vez de atuar, traduzo esses sentimentos em palavras para dar vida às emoções dos personagens.
Como sua abordagem psicanalítica influenciou a profundidade da análise das experiências das personagens em seu livro?
Assim como no teatro os personagens são compostos por acontecimentos, pessoas são conjuntos de experiências. Na Psicanálise, cada indivíduo é um mundo completo e subjetivo – o que é bobagem para uma pessoa pode não ser para outra. Esse olhar está presente em toda a história e é, por si, um recorte subjetivo da amiga da protagonista. Trouxe sutilmente características das mocinhas do livro que poderiam ser objeto de análise e deixo pistas para que o leitor conclua o que levou a protagonista à sua decisão.
Destaco como mensagem principal a importância do acolhimento. Quando há uma situação traumática, a maneira que a pessoa será acolhida fará toda a diferença para conseguir superá-la. No livro, explicitei isso comparando a forma que as meninas do livro são recebidas em casa após sofrerem um abuso.
Em que medida sua própria trajetória enquanto estudante de psicanálise contribuiu para o desenvolvimento dos temas sensíveis tratados em “Amiga Conselheira”?
A formação em Psicanálise me deu segurança para autorizar a mim mesma a escrever sobre um tema importante considerado tabu. Percebi que era possível e necessário abordar o assunto.
Em uma análise, está permitido falar sobre tudo. O livro é um grito da protagonista, uma exposição de suas cicatrizes para que o leitor sirva de testemunha e “amiga conselheira”.
Pode compartilhar conosco como a experiência no teatro afetou sua habilidade em criar personagens autênticos e emotivos para a narrativa?
No teatro, uma das técnicas mais conhecidas de interpretação realista aplica as emoções do ator no personagem. São emoções análogas, não necessariamente de experiências vividas ou seria impossível atuar em filmes de fantasia, por exemplo. No entanto, ao nos colocarmos no lugar do personagem, imaginando o que ele vê e de onde vem, podemos imprimir nos personagens sentimentos que todos conhecemos, como “raiva”, “tristeza” ou “alegria”. O livro consegue facilmente conversar com o leitor porque evoca, nele, a experiência de sentir aquilo, seja por imaginação, seja por experiência.

O que você espera alcançar ao abordar questões complexas, como bullying e aceitação da sexualidade, em seu livro voltado para o público jovem adulto?
Escrevi “Amiga Conselheira” como o livro que gostaria de ter lido aos 17 anos. Quero que seja uma leitura confortante, proporcionando às vítimas de situações como essa a sensação de que não estão sozinhas no mundo. Para aqueles que convivem com “amigas conselheiras”, quero apresentar uma perspectiva diferente dessa “pessoa que ajuda todo mundo”, incentivando a reflexão sobre como ser mais acolhedor e compreensivo.
Como a escrita jornalística de Juliana influenciou o estilo conciso e fluído presente em “Amiga Conselheira”?
A influência da escrita jornalística veio pela ordem “sujeito, verbo e predicado”. Essa abordagem me ajuda a expressar pensamentos de forma direta e clara. Além disso, perguntas como “quem, onde, quando, como e por quê?” auxiliam na construção de ambientes, situações e na linha geral da narrativa, mantendo um estilo conciso e fluido.
Quais foram os maiores desafios enfrentados ao abordar temas tão sensíveis e dolorosos na narrativa?
Dosar o tom para não se tornar “dramático demais” ou sensacionalista. Minha intenção não é chocar ou causar gatilhos em pessoas que já sofrem com pensamentos sombrios. Em geral, escolhi tornar as cenas mais tensas uma espécie de acontecimento poético simbólico. Decidi não fazer descrições explícitas, focando mais nas sensações, deixando o acontecimento subentendido por uma combinação de palavras.
Uma leitora me disse que eram “palavras fáceis de ler, difíceis de digerir”. Sinto que o objetivo de impactar sem machucar foi concluído.
Qual foi a motivação por trás da escolha de contar uma história que alterna entre passado e presente na narrativa de “Amiga Conselheira”?
O prólogo precisava ter um impacto significativo. Ao mostrar que Giu está no hospital, o leitor se conecta mais emocionalmente com ela. É a mesma revelação que Mavi, até então, não suspeitava. O livro é uma jornada de reflexão da amiga e do leitor para compreender suas motivações e, mais tarde, tomar decisões no presente com base no que descobrem. Mavi, dentro do livro. O leitor, fora dele.
Pode compartilhar como a criação do portal “Debaixo da Cerejeira” contribuiu para sua trajetória literária?
Por meio do portal “Debaixo da Cerejeira”, recebia constantes elogios em meus textos reflexivos, o que me deu confiança na escrita e, principalmente, na aposta de criar um livro mais sensível. Além disso, o site, dedicado às tramas do Leste Asiático, que tanto aprecio, frequentemente aborda temas delicados no meio de histórias aparentemente simples.
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