A busca da saúde mental em tempos estranhos em que é necessário enfrentar seus próprios demônios marca “In Sane Days”, single de estreia da banda mineira Dada Hotel. Unindo indie, pós-punk, lo-fi e um olhar bem brasileiro, o power trio se prepara para lançar o disco de estreia “Dilúvio/Deserto”. Com um clipe, a faixa está disponível em todas as plataformas de música digital.
Dada Hotel conta ainda com Marcus Soares (baixo) e Victor Piva Schiavon (bateria) e teve seu embrião na banda Paraná Avenue, onde parte das canções foram criadas. Inclusive o single, que dá o tom do álbum ao retratar essas dualidades e ficam expostas até em seu título.
Com mixagem e masterização de Fabrício Galvani (Estúdio Galvani), o disco foi finalizado com recursos da Lei Aldir Blanc do Governo do Estado de Minas Gerais e será lançado ainda em 2021 de forma digital e em vinil. O single “In Sane Days” está disponível em todas as plataformas de streaming de música. Confira a entrevista!
Em busca de uma solução para conseguirmos atravessar o momento atípico em que estamos passando, “In Sane Days” planeja tratar de assuntos delicados de uma forma irônica. Como esse tipo de abordagem se concluiu no pensamento de vocês e porque acham que a tendência de tratarmos assuntos sérios na ironia gere uma identificação com o ser humano?
Fábio Corrêa: Acho que o processo de composição de uma canção, a tentativa e erro de casar letra e música, contando uma história, foge um pouco do controle do compositor. Por isso, é difícil falar de uma escolha pela ironia, ela simplesmente estava ali, dentro dessa “cena curta” que conta sobre um cara que está numa relação de amor e ódio com seus diversos “eus”.
Agora, analisando posteriormente a canção, a questão da ironia eu vejo como uma forma de não se levar tão a sério assim, como se o sujeito que está narrando “In Sane Days” tentasse reafirmar para si mesmo, às vezes sem muito sucesso, que a dor que ele carrega não é a única do universo. Acredito que a ironia, nesse caso, abra espaço para um diálogo, uma identificação, a partir do momento em que não encerra a discussão de um lado só.
E tem também o som, já que no fim só estamos querendo que o ouvinte entre numa viagem prazerosa por 4 minutos e pouco e se deixe levar, até dançar, se for possível, como fica mais claro no videoclipe.
O contexto da letra fez uma apologia ao nosso lado negativo, tratando com a questão de assumirmos nossos “demônios” a fim de mostrar como pode ser tranquilo vivermos com nossos paradoxos, porém viver dias sãos também podem ser insanos. Como conseguimos encontrar um equilíbrio entre os dois modos de se enxergar a vida?
Fábio Corrêa: Discordo que se trate de uma “apologia” a nosso lado negativo, mas da história de uma pessoa que passa por um embate interno, que é algo que acho que todos nós atravessamos algum momento na vida. Temos paradoxos, somos humanos. E também às vezes viver sob a realidade cotidiana, pesada, imposta, às vezes sem sentido, chega a ser insano, mesmo que o discurso hegemônico repita a todo tempo que “é assim que tem que ser”.
Vivemos a um passo do colapso, principalmente agora, e esse colapso pode ser psíquico, físico, financeiro e político, como tem sido diariamente. Mas tentamos ou somos obrigados resistir, porque uma possível “tranquilidade” só é possível assim, mesmo que essa resistência seja curtir um som durante alguns minutos. Nada mais do que o Belchior canta quando diz que “a alucinação é suportar o dia a dia” e “e o delírio é a experiência com coisas reais”.
Além de ser uma música com uma temática considerada relevante, “In Sane Days” é o primeiro single lançado pela banda. Como estão as expectativas em relação ao recebimento da Dada Hotel pelo público?
Fábio Corrêa: Tem sido muito gratificante o que já estamos recebendo, muito feedback positivo, dentro das possibilidades para uma banda iniciante, desconhecida e que só tem um single. Mas o que mais tem me deixado feliz é ouvir de algumas pessoas que viram o clipe e que falaram que no final do vídeo estavam dançando. Espero que seja sempre assim.
Qual é a referência ao nome do disco ser Dilúvio/Deserto?
Fábio Corrêa: É o nosso yin yang aqui de Belo Horizonte. Temos três meses de dilúvio, chuvas incessantes, que causam estragos irreparáveis, e mais o resto do ano numa espécie de deserto, seco, sol, um clima que desidrata qualquer um. O nome veio da única faixa instrumental das onze músicas do álbum, que eu compus num dia em que caía um dilúvio – mas sabendo que dali umas semanas viria o deserto.
Acho que dá pra extrapolar esse conceito também pra essa ideia de fluxo, de que a gente pode atravessar momentos de dilúvio e deserto internos e externos, na crença de que há um sujeito por trás de tudo isso que tenta ao mesmo tempo se manter apesar desses momentos e crescer com eles.
O quanto a pandemia tem atrapalhado no processo de divulgação do primeiro single da banda, ‘’In Sane Days?
Fábio Corrêa: Atrapalhou mais no processo do álbum, já que começamos 2020 com a ideia de fazer shows e gravar o disco ao vivo em estúdio, pelo menos as bases, mas isso teve que ser transposto pra um esquema casa-estúdio, reaproveitando demos caseiras e gravando o que dava (vocais, baterias) no estúdio.
Não dá pra fazer shows, além disso temos ideias de clipes que estão sendo adiadas progressivamente por causa da pandemia, porque precisam de uma equipe com mais pessoas, o que é no mínimo irresponsável agora. Mas temos tentado nos virar do jeito que dá, o clipe de “In Sane Days” acabou refletindo o momento, por ter sido feito em casa também. E é difícil também não estar tocando junto, nos ensaios, vendo as canções tomarem vida ao vivo, de forma espontânea.
Também tivemos subsídio da Lei Aldir Blanc em Minas para finalização do álbum, o que ocorreu apesar do boicote e da ofensiva do governo federal frente à classe artística. A lei tornou possível finalizar o disco com mais calma e numa melhor qualidade. Mas ela podia acontecer sempre e para todo mundo que se disponha a fazer arte no país.
Além do primeiro single, existe mais algum projeto em mente para ainda este ano?
Fábio Corrêa: Sim, vamos lançar ainda neste semestre mais um clipe e single da música “Ninguém”. Ainda não temos data certa pois a produção do clipe precisa ser pensada no contexto da pandemia. E mais pra frente, sem data definida, mas nos próximos meses, lançaremos o álbum “Dilúvio/Deserto”, com 11 músicas, em formato digital e com algumas prensagens em vinil também, além de um vídeo para sair com o disco.
Conte-nos um pouco mais sobre o surgimento do Dada Hotel.
Fábio Corrêa: O Dada Hotel surgiu como Parana Avenue, ainda em 2016, com a mesma formação. Éramos uma banda um pouco diferente, com músicas em inglês. Aos poucos o som foi mudando, as canções em português apareceram e se sobressaíram. Aí a banda ficou um pouco parada entre 2017 e 2018, já que estávamos concentrados em outros projetos musicais cada um separadamente.
Em 2019 decidimos gravar o primeiro disco e retomar, mas a ideia era mudar o nome, que veio no decorrer de 2020, já durante o processo de produção do disco.
Toda banda ou até mesmo solo antes de iniciar a carreira acaba se inspirando em determinado grupo ou artista para seguir carreira. A banda tem alguém que os inspira?
Fábio Corrêa: Acho que o principal é o Prince, um artista que sempre nos inspirou pela musicalidade e inventividade, que vai além da própria música dele. O David Bowie também, e pelos mesmos motivos. No Brasil, gente como Jorge Ben, por tudo que fez pela música brasileira e mundial, e que, mesmo que não transpareça tanto no som, está entranhado na gente. Marina Lima também, pela força das canções e da estética dela. E, por fim, o Júpiter Maçã, porque conseguiu unir a psicodelia sem perder a essência do rock. Mas toda hora aparece alguma coisa (de todos os estilos, sem nenhuma exceção) que pode virar uma nova inspiração.