Brune é exemplo de força ao buscar explorar a sexualidade através da poesia

Luca Moreira
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Após se aventurar por uma “Lua Azul”, seu single de estreia, Brune segue por “Estrelas de Neón”. A faixa revela outros contornos de seu primeiro EP, “Ametista”, onde MPB, pop, R&B, soul  e poesia se encontram. A nova canção estreia com um clipe, assinado pela Ácida Produtora.

O segundo single vem para ampliar o universo musical e estético de um trabalho que começou, primordialmente, poético. A faixa e o EP têm produção de Leonardo Gumiero, que assina também guitarra, bateria, teclados e percussão, arranjos, gravação, mix e master. Na faixa aparecem também Aline Provensi (baixo) e Yuri Grigoletti (saxofone), além de Bruna Krauze nos backing vocals.

Embora seja uma criação a muitas mãos, “Estrelas de Neón” começou com uma letra muito pessoal. Não por acaso a canção de abertura do EP, ela marca o começo de um processo de redescoberta de si através do toque. Tratando a sexualidade de forma mais leve, Brune mostra que os encontros não precisam ser vermelhos e intensos – eles podem ter também outros tons e propósitos. Confira a entrevista!

Mostrando novos contornos e revelando a cada momento um pouco mais das características do seu novo projeto, a última novidade que tivemos foi a revelação de “Estrelas de Neón”, onde a poesia se encontra com o MPB, pop, R&B e o soul. Como está sendo a caminhada para que o projeto possa nascer por completo?

Essa caminhada já dura pelo menos dois anos, entre o processo de composição das músicas, gravação e lançamento. O primeiro passo, depois da composição e da organização do EP, foi criar um projeto de financiamento coletivo para custear parte dos gastos de produção. Nisso, eu procurava quem seria a peça fundamental para produzir as músicas e encontrei o Leonardo Gumiero, que me apresentou minha voz gravada e ouvida em uma qualidade que eu nunca tinha experimentado – porque foram minhas primeiras experiências em estúdio, e com certeza é algo que já dá vontade de fazer de novo. Nesse processo de criação misturamos referências, trabalhamos em cima de texturas, de cores, a poética por trás do som, como a gente costumava chamar. Ainda nesse caminho, um casal de amigos criou a Ácida Produtora e nós fechamos a parceria de produzirmos três clipes juntos: Lua Azul, Estrelas de Néon e um deles ainda por decidir qual música.

Toda essa caminhada também tem sido transpassada pela pandemia, o que trouxe restrições, e fez com que tudo se concentrasse no mundo virtual. Eu queria muito ter estreado os clipes cantando e dançando ao lado das pessoas que eu amo, mas ao invés disso estava em casa sozinhe cuidando das redes sociais rsrs. São muitos sentimentos concomitantes: é alegria e preocupação, é agradecimento por todo mundo que tem escutado as músicas, é uma saudade das pessoas, de ver elas interagindo, cantando. Sinto que a minha arte atingiu seu amadurecimento bem em meio ao momento mais difícil que eu já vi o país passar e, mesmo assim, eu não queria deixar de fazer. Mesmo que a classe artística tenha sido uma das mais afetadas durante a pandemia, ainda existe o lado de que a música e a arte salvam a vida de muitas pessoas, inclusive a minha.

Durante essa caminhada, também comecei a me questionar muito sobre quem eu sou no mundo, minha identidade, quem sou eu enquanto artiste e com isso tive duas grandes descobertas. Me descobri enquanto pessoa não binárie, de gênero fluído, e também uma pessoa com transtorno afetivo bipolar. Então, além de tudo, esses passos me permitiram conhecer melhor a mim, e meu desejo é que a minha arte toque as pessoas para que elas também tenham vontade de descobrir a própria voz no mundo.

O estilo de “Ametista” – seu novo EP que está sendo revelado – remete à um clima mais “místico”, por assim dizer. Qual mensagem que você está buscando trazer para o cenário musical?

A ametista é um cristal utilizado para ampliar a nossa visão, que auxilia a conexão com a intuição, com a nossa própria verdade. É um cristal que atua desfazendo padrões, liberando as energias mais densas e doloridas. Para mim, o EP passa por tudo isso. No meu caso específico, eu repetia que não era boa o suficiente para fazer música – por ser autodidata – e repetia o padrão de me colocar em relações que prejudicavam minha auto-estima. E a mensagem que eu quero trazer com essas músicas é o de acreditar em si, deixar de se auto boicotar, encontrar o amor que a gente tanto procura dentro de nós, “descobrir que o nosso reflexo na água brilha”, citando a própria letra de Ametista.

É sobre acreditar naquilo que a gente tem pra dizer, a nossa verdade, aquilo que acreditamos que viemos fazer, mesmo que muitas vezes isso vá contra ao que nossa família pensa, ao que nosso bairro pensa, e as nossas relações de uma forma geral pensam. É descobrir a nossa chama e alimentá-la, porque é isso que alimenta a nossa alma. E não o último celular, o carro do ano, ou embarcar na primeira relação que aparece na frente. A gente precisa se ver como aquilo que a gente quer ser, e precisa se bancar, se defender. Elevar a dor. Levou pra mim 26 anos apenas rsrsrs

Foto: Ácida Produtora

“Estrelas de Néon” trouxe aos seus seguidores uma história que foi vivida pela primeira vez em 2019, quando realizou uma composição remetendo às vivências que estava tendo na época, apresentando um lado mais pessoal seu. O que a sinalizou que esse era o momento de abrir esse arquivo ao público e como espera que seja sua recepção?

Para mim, a criação artística está muito ligada a um processo de cura. De dentro dos meus traumas, das minhas vivências, sentimentos, eu busco as palavras, o ritmo e a melodia, para tentar expressar aquilo da forma mais verdadeira para mim. Quando finalizo o trabalho e entrego as músicas, sinto que cada pessoa usa daquelas imagens que eu criei para criar seus próprios significados. Assim, nós vamos nos entrelaçando, criando conexões e aquilo que eu pensava ser tão meu, está também nas outras pessoas.

As histórias que vivi em 2019 foram um gatilho, o impulso que me deu coragem de mirar novos horizontes. Eu estava completamente sozinha, com mágoas familiares, sentindo que precisava fazer um detox das minhas amizades, sem nenhum relacionamento e decidi começar a vida em uma cidade nova. Foi assim que fiz uma viagem onde passei por Sp, Mg, Ba e Pe e quando estava em Salvador, toda aquela efervescência do verão, eu tinha certeza que eu queria estar ali fazendo show, cantando, mostrando minhas músicas, até hoje eu vejo como um chamado do mar.

Por último, minha expectativa é que o Ametista seja muito tocado e compartilhado por aí, que as pessoas se emocionem, que seja um alento no coração das pessoas nesse momento. Espero que seja uma abertura de caminhos, de portas, de possibilidades, de parcerias, contatos, pois agora quero me firmar nesse meio e produzir muitas músicas novas e clipes. Espero que as pessoas se identifiquem e sintam o Ametista como um presente pra gente passar por esse momento um pouquinho mais leves.

Acessando uma área que muitas vezes é tratada como polêmica, o EP está tratando a sexualidade de uma forma mais leve e que reivindica a representação de que esses momentos não precisam se passar apenas no vermelho e na intensidade. Você acredita que falta uma representação correta das questões sexuais na sociedade atual?

Eu não diria que o EP está tratando a sexualidade de um tema mais leve, eu acho que esse é um tema que aparece mais na primeira canção “Estrelas de Neon”. Mas, eu acredito sim que falte a representação correta de uma sexualidade saudável na sociedade, então sempre tive curiosidade por esses tópicos. Acho que já li tudo da Hilda Hilst, que me inspira muito quando escrevo poesia erótica, e também organizo o Erótico Sarau – que antes era presencialmente, ano passado foi virtual e estou preparando alguns encontros durante o mês de abril virtualmente também – para divulgar a pré-save de Ametista e também a pré-venda do meu primeiro livro Sei que nada disso é real mas não suportaria a verdade, a ser publicado pela Editora Urutau (RJ). Eu acho que essa questão da sexualidade é uma chave no nosso país que precisa ser virada, pois continuamos batendo recordes em matar mulheres, e população LGBTQI+. A expectativa de uma mulher trans no nosso país é de 32 anos, sabe? Às vezes parece que eu não entendo nada do que estamos fazendo. E são coisas que só seriam remediadas com políticas de educação, mas algumas pessoas pensam que isso é uma atitude da “esquerda” para doutrinação das crianças, inclusive toda aquela história de kit gay a uns anos atrás. Mas é uma questão muito maior do que direita ou esquerda, é uma questão de humanidade, de não matar pessoas porque a sexualidade delas difere da sua. É um pouco desgastante, mas sinto que é por isso que precisamos criar esses espaços. Eu não falo tanto sobre essas questões no EP, mas com certeza elas são a estrutura do meu livro.

Inclusive, só queria compartilhar um trecho da Audre Lorde falando sobre “a supressão do erótico como fonte de poder e informação em nossas vidas” já que “para se perpetuar, toda opressão deve corromper ou distorcer as fontes de poder inerentes à cultura das pessoas oprimidas, fontes das quais pode surgir a energia da mudança”. O que a Audre coloca é que existe um poder que provém do erótico, a vontade necessária para movimentar coisas, mas é como se existissem mecanismos sociais para nos frear de descobrir essa força potente pulsando dentro de nós. É por isso que eu dou tanto valor e gosto tanto de falar sobre o erótico.

Foto: Ácida Produtora

Sua canção de abertura do EP marca o começo de um processo de redescoberta de si através do toque. Poderia nos explicar um pouco mais sobre essa afirmação?

É um trocadilho porque a canção começa numa cena de masturbação. E essa redescoberta de si, que a solidão proporcionou, é o nascimento de uma nova pessoa, de um novo mundo, da obra em si. É como despertar esse lugar do erótico, esse poder, que dá a vida a si mesma e às canções.

O que a fez unir a composição com a poesia?

Como eu sempre tive essa conexão com saraus, desde 2014 me apresentava declamando poesia, e já fui entendendo que as palavras pediam uma entonação, que as rimas marcavam um ritmo. Chegou uma hora que eu já lia alguns poemas cantando, investigando os limites entre voz falada e voz cantada. Desde 2018 que eu estudo violão e um pouquinho de teoria musical, de forma autodidata, para compor. E foi assim que tudo se encontrou, em 2019 cheguei a ter uma banda com algumas amigas tocando algumas composições minhas, até chegamos a tocar em alguns eventos aqui em Curitiba, mas aí logo eu fui embora, seguir minha carreira solo e anônima até então rsrsrs

Foto: Ácida Produtora

Em assuntos tão espinhosos e universais, você traz o seu olhar único e pessoal. Qual é o seu diferencial em composição?

Eu vejo que a veia poética do meu trabalho é um dos principais diferenciais. Gosto de ter essa atenção com as palavras. E também eu acho que por ser uma pessoa fluída, que está sempre em movimento, eu vou bebendo das fontes por onde passo, das sonoridades, das conversas. Eu tenho formação em Letras pela UFPR, mas sempre considerei que as minhas andanças foram tão ricas em aprendizado quanto. Outra vez é a ideia dos entrelaçamentos, em cada lugar que eu passo, eu amarro um pontinho e gosto de pensar que assim vou tecendo essa rede latino-americana, e quando vou compor, ela também está em mim.

Conte-nos um pouco quem é Brune e o que a arte representa para você.

Sou multiartista, caminhante, movimentando-me pelas veredas da poesia, da composição e da performance. Me identifico como pessoa não-binária, de gênero fluído (elu/ela/ele). Leio a sorte em cartas, sou taróloga. Estou solteire. Não vejo a hora de receber a vacina e poder viajar outra vez, tocando minhas músicas. Produzo o Erótico Sarau. Em 2015 me descobri como viajante, quando mochilei pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia, me apresentando nos ônibus como artista de rua. Em 2017, andei 180 km no sertão mineiro, durante uma semana, conhecendo um pouco mais da cultura sertaneja e do cerrado. Em Curitiba trabalhei um tempo fazendo música nos coletivos e bares, mas também já trabalhei muito como professora particular de língua portuguesa e garçonete. Agora tenho me dedicado à minha arte, porque é o que realmente me motiva, e no que eu acredito. Fora isso, gosto muito de rosa, de cachoeira, de funk, e, recentemente, comecei a aprender as dancinhas do tiktok.

A arte para mim, como eu disse, já salvou minha vida. No sentido literal, ainda é difícil falar sobre isso, mas antes de ter o diagnóstico da bipolaridade, eu tive muitas crises sem saber o que era, e logo, sem saber como lidar. E durante as crises, ouvir música era uma das poucas coisas que me acalmava ou que me davam alegria. Em um dos dias mais tristes da depressão, eu compus Medusa (Dar pé), que é uma das músicas que eu acho mais lindas do EP inteiro e que eu acho que as pessoas vão gostar muito. Quando eu me sentia muito sozinhe, ainda sentia que tinha o meu violão. E até mesmo quando eu era criança e devorava livros para que eles me transportassem para uma realidade diferente da minha, já era a arte me ajudando. Então, para mim a arte sempre me deu um outro horizonte, conectando algo em mim, como se despertasse cada vez a minha sensibilidade e essa sensibilidade me faz uma pessoa melhor, porque eu não consigo olhar para as questões do mundo sem me afetar, então eu vou sempre tentando promover mudanças ao meu redor.

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