Banda Engrenagem Urbana lança o álbum “Espiral”, explorando novas perspectivas sobre a música popular brasileira

Luca Moreira
10 Min Read
Engrenagem Urbana (Carol Santos)
Engrenagem Urbana (Carol Santos)

A banda paulistana Engrenagem Urbana propõe um novo olhar sobre o conceito de música popular brasileira com o lançamento de seu quarto álbum, Espiral. O projeto, que chegou às plataformas de streaming em 29 de novembro de 2024, incorpora estilos diversos como pagode, afrobeat e rap, reforçando a riqueza sonora do Brasil. Para celebrar, o grupo realiza um show gratuito no dia 8 de dezembro, na Casa de Cultura Raul Seixas, na Zona Leste de São Paulo.

Com oito faixas, Espiral reúne colaborações de peso, incluindo Fernanda Agnes (Grupo IMBA), Tiê, Marcelinho Freitas, Anelis Assumpção e o rapper Thaíde. Cada parceria amplia a narrativa musical do álbum, abordando temas como amor, maternidade, ancestralidade e evolução, em uma mistura que desafia e amplia o conceito de MPB.

Financiado pelo 7° edital de apoio à música da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o álbum reafirma o protagonismo da Engrenagem Urbana na cena musical ao mesmo tempo que convida o público a repensar as fronteiras da música popular brasileira.

Através de “Espiral”, vocês revisitam estilos como pagode, afrobeat e rap. Como foi perceber que esses gêneros, tão enraizados na cultura brasileira, nem sempre recebem o título de MPB?

“ESPIRAL” nasce para dar uma sacudida no bom sentido no que chamamos de MPB. Vale ressaltar que esse tal “MPB” já está inserido no Rap, seja pelas nossas referências, pelos samplers ou até pelas participações. De forma alguma isso é uma afronta aos artistas, mas sim uma crítica ao elitismo. Quando desmerecem o Rap, o Funk ou qualquer outro estilo com raízes urbanas, periféricas ou pretas, deixam de apreciar o que esses artistas têm a oferecer. Se olharmos para o pagode dos anos 90, por muito tempo ele foi rotulado como música comercial de massa. Hoje, o mesmo pagode 90 é considerado cult porque alguém fora do nosso meio decidiu validar. Precisamos aprender a valorizar nossas coisas antes que outros o façam. Quando exploramos e experimentamos um afrobeat, juntamos isso ao nosso jeito de fazer Rap, com as características da Zona Leste, mergulhando no pagode, que sempre esteve vivo na quebrada. Assim, provamos que a Música Popular Brasileira está na essência do povo. Parafraseando Milton Nascimento: “todo artista tem de ir aonde o povo está.”

Trabalhar com artistas como Thaíde, Tiê, Marcelinho Freitas e Anelis Assumpção trouxe novas perspectivas ao álbum? Alguma colaboração surpreendeu vocês durante as gravações?

Trabalhar com pessoas talentosas é sempre uma honra, mas trabalhar com gente talentosa, que tem história e respeita nosso trabalho, é algo indescritível. Marcelinho foi o primeiro a aceitar o convite. Como representante do nosso território, ele marcou época em seu segmento, e ouvir seus sucessos na TV, no rádio e nas quermesses foi parte da nossa vivência. Falar de artistas que iniciaram tudo na quebrada é uma honra. “ESPIRAL” nasceu a partir dessa música. Por onde quer que vá, foi o primeiro passo, como o refrão já diz: “Meu sonho me leva por aí, mas eu volto pro meu mundo.” Anelis Assumpção foi escolhida para o afrobeat, e a parceria foi perfeita. Ela aprovou nosso refrão e ainda trouxe composições que nos surpreenderam — foi o grande tempero do rolê. A Tiê foi outra grata surpresa. Sua humildade e recepção foram incríveis; ela nos recebeu em sua casa, e esse encontro musical encantou a todos. Já éramos fãs, mas isso intensificou ainda mais. Sobre Thaíde, somos suspeitos. Ele é um dos nomes mais comprometidos e detalhistas do Hip Hop. É uma honra enorme tê-lo conosco, assim como os backing vocals ÀleoÀ, Adorne, Nyl e o DJ Armatese. Não posso deixar de mencionar Agnes, que participa de duas faixas: a do disco e “Abraço”, uma música emocionante sobre nossas mães ou a ausência delas. Agnes marcou positivamente o disco, e somos gratos a ela.

Engrenagem Urbana (Carol Santos)
Engrenagem Urbana (Carol Santos)

Com o conceito africano de olhar para o passado para construir o futuro, o que vocês esperam que o público absorva dessa música?

O novo sempre vem. Avançar é essencial, mas não podemos esquecer quem construiu o que temos hoje. A faixa “Sankofa” traduz esse sentimento. É sobre voltar e buscar. Sair do nosso novo MPB, revisitar nossas raízes no Rap e ir e voltar em espiral. Não se trata de retroceder, mas de valorizar a história. A própria música diz: “não é sobre retroagir, é sim sobre retrovisor.” É olhar para trás para seguir em frente. Engrenagem sempre teve esse compromisso: fazer arte e preservar a história. Voltar não é ficar preso ao passado, mas sim consultá-lo, estudá-lo e usá-lo como base para evoluir.

Em “Espiral”, há um simbolismo claro de evolução e transição. Vocês acreditam que a representatividade trazida por essa decisão amplifica a mensagem do álbum?

Além da representatividade, Agnes traz um talento e uma voz incríveis. O encontro no PelaArte foi marcante, e a música nasceu ali. Sua bagagem musical, suas lutas e sua simbologia tornaram o momento histórico para todos nós. “ESPIRAL” também é um portal para este nosso momento: redescobrir caminhos, intensificar a comunicação interior e equilibrar nossos anseios. Para isso, tivemos que olhar a vida por diferentes ângulos, sem pontos cegos.

Engrenagem Urbana (Carol Santos)
Engrenagem Urbana (Carol Santos)

Sendo uma banda de Itaquera, vocês trazem um olhar único sobre a música brasileira. Como a vivência na periferia molda o trabalho de vocês?

A periferia é nossa origem e intensifica nosso olhar. Quando pisamos nesse chão, entendemos o tempo, os valores e a superação. A música é nosso canal de comunicação. Ela retrata a tia que vende salgados, o tio que conserta eletrodomésticos, o jovem enfrentando o medo do primeiro emprego, ou alguém buscando dar uma vida melhor à família. Isso está no DNA da música brasileira, que não é apenas uma noite sofisticada ou uma apresentação acadêmica. A rua nos dá um termômetro diferente, que se reflete na cor da pele, no corte de cabelo, nas roupas, no jeito de falar, na arquitetura e no improviso. Quem vive a quebrada enxerga o mundo de outra forma. O que é taxado como medíocre pode ser tendência, gerando economia e resistência. A quebrada estimula a existência e o coletivo, mesmo nas ações individuais. É impactante ver a quebrada no centro da cidade, porque ela está em todo lugar.

Além de performances ao vivo, há algo especial que vocês estão preparando para essa celebração gratuita?

Queremos atingir novos espaços e inserir nossa arte em outros universos. Planejamos ações diretas na educação e ideias no campo audiovisual. Também queremos entender melhor as agregadoras para expandir nosso trabalho sem perder o foco no palco. O novo formato dos festivais exige que saibamos navegar por ele. Estamos construindo uma rede de possibilidades com o que sabemos e queremos fazer. Se “ESPIRAL” atingir o que projetamos, teremos muito sucesso.

Engrenagem Urbana
Engrenagem Urbana

Depois de três álbuns de estúdio, vocês sentem que esse quarto trabalho é uma evolução em relação aos anteriores? Que tipo de legado querem construir com ele?

Desde “Primeira Linha” (2022), sentimos uma maturidade maior. Foi um disco em que tivemos liberdade para compor e produzir, contando com uma equipe dedicada em todos os aspectos. Superamos muitas adversidades, como as perdas das mães de Kiko e minha, que inspiraram a música “Abraço”. Sem a maturidade adquirida, seria impossível entregar um trabalho tão especial. Preferimos falar em maturidade, não evolução, porque experimentar outros gêneros não significa abandonar o Rap. Matheus MxM e Kiko de Sousa fizeram um trabalho minucioso nos beats, timbres e equalizações. “ESPIRAL” é ousado, criativo e original, sem seguir tendências. Até os nomes das faixas formam um “espiral nominal.” É um disco que deve ser ouvido com atenção, pois traz mensagens profundas e cronológicas sobre nossas vivências.

Acompanhe Engrenagem Urbana no Instagram

Share this Article

Você não pode copiar conteúdo desta página