André Paixão fala sobre detalhes do lançamento duplo da trilha de “Perrengue”

Luca Moreira
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Produtor e multiinstrumentista de destaque da cena alternativa há décadas com projetos como Acabou la Tequila, Nervoso e os Calmantes e Tripa Seca, André Paixão apresenta sua faceta de compositor e arranjador na trilha sonora da série “Perrengue”, que chega à todas as plataformas de música digital em dois volumes. O lançamento é apresentado junto de um clipe dirigido por Guta Stresser para “My Perfect Life”, com Karina Zeviani.

Veiculada pela MTV Brasil em 2017, por toda a América Latina no ano seguinte e atualmente disponível na Globoplay, “Perrengue” fala sobre a transição da adolescência para a vida adulta sem fugir de temas pesados e polêmicos como drogas e aborto. Para a trilha, André buscou um olhar poético e onírico que se sustenta como álbuns por conta própria pela força das melodias extrapolando as imagens.

O volume 1 é composto de canções em inglês e contou com a voz de Karina Zeviani, conhecida por seu trabalho ao lado do Thievery Corporation. Além dela, surgem baterias de Marcelo Callado e participações especiais de André Dessandes (sintetizador na faixa “The Missing Man”) e Léo Vieira (guitarra nas faixas “My Perfect Life” e “The Missing Man”). Já o volume 2 é uma viagem sonora instrumental guiada unicamente por André. Confira a entrevista!

Com décadas dedicadas à criação de projetos convidando a participação de estilos alternativos para a sua arte, você chega esse ano com a trilha sonora da série “Perrengue”. Poderia falar um pouco da sua participação nesse projeto?

Foi uma experiência inédita na minha vida, pois o mais próximo que havia chegado desse ambiente – de programas televisivos em série – foi em projetos não ficcionais, como “Tira Onda” (Multishow), “Afinando a Língua” (Canal Futura) , entre outros. Mas como já havia composto para cinema e teatro, em cima de roteiros ficcionais, com dramaturgia, a maior novidade teve a ver com o volume de trabalho. Foram treze episódios, cerca de oitenta obras autorais, entre trilhas incidentais e canções originais, que surgiram a partir de referências propostas pela direção, e tomaram vida própria na série. Além da trilha original, incluímos canções de artistas como Céu, Ava Rocha, Jonas Sá, BNegão & Selectores de Frequência, Autoramas, Wilco, New Order que fizeram sentido na história.

Foto: Pino Gomes

Além da chegada da trilha, o lançamento vem em paralelo com um clipe dirigido por Guta Stresser, que fez consagrados projetos como atriz, tais como “A Grande Família” e “Mister Brau”. Como foram as reuniões criativas entre vocês, essa parceria ficou para a vida?

A Guta costuma dizer que aprendeu a dirigir por osmose e realmente isso faz todo sentido, pois tive a oportunidade de acompanhar uma gravação ou outra d’A Grande Família” e o interesse dela no que rolava por trás das câmeras era perceptível, desde o aspecto artístico até a relação que ela mantinha com a equipe técnica, mais descontraída, sempre muito próxima.

Em 2009, ela dirigiu um video clipe da minha banda na época, Nervoso e os Calmantes, e fiquei impressionado com a facilidade que ela teve para motivar o elenco a atuar. Veja, era um clipe de época, rodado no teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, com uma platéia formada por amigos nossos que não eram propriamente atores, mas que revelaram um talento pra coisa, graças a esse cuidado que ela teve. O clipe de “My Perfect Life” foi gravado num ambiente em meio à natureza, aqui onde moramos. Foi uma produção simples e, relativamente, rápida, pois tivemos que aproveitar a passagem da Karina Zeviani (cantora) pelo Rio (ela mora no interior de São Paulo) e uma equipe enxuta que trabalhou “no amor”.  As reuniões criativas praticamente ocorreram entre a Guta e a Karina, sendo que eu e o Markão (Oliveira, diretor de fotografia) dávamos um pataco ou outro. No fim, ficou lindo. Praticamente editamos e finalizamos juntos, mesmo de forma remota, aqui no meu estúdio.

Foto: Divulgação

A série que você trabalhou trás uma realidade muito presente na vida de todos, que são as dificuldades da transição da adolescência para a vida adulta. Retratar musicalmente essa transição das nossas vidas foi algo interessante? Como você acha que é a importância de demonstrações do tipo na cultura pop?

É interessante quando penso no salto que demos, a partir do ano em que a série foi veiculada pela primeira vez (MTV Brasil), em 2017, até hoje em dia (Globoplay). Nossa sociedade ficou mais politizada – infelizmente, muitas vezes, de formas ignorantes e estúpidas – e, possivelmente, a vida de jovens brancos de classe média que passam “perrengue” teria uma outra percepção do espectador, cada vez mais consciente da sociedade desigual em que vivemos. Os personagens oferecem muito do vazio existencial por que muitos jovens de classe média passam com suas relações e formações, entre festas, paixões, drogas, sexo, depressão e decepções. Foram esses elementos que me geraram inspiração para compor e que, muitas vezes, remeteram à minha adolescência. O termo “Cultura Pop”, que deveria ser associado à cultura popular, me parece mais “alternativo” e “indie”, que me conduz aos tempos da Factory de Andy Warhol dos anos 60 em NY, da cultura alternativa, dos 15 minutos de fama, das latas de sopa Campbells, do que deveria ser, em se tratando de Brasil. Como pode uma cultura pop não ser conhecida ou reconhecida por uma população em sua maioria? O que seria Cultura Pop no Brasil? Nossos rituais, mitos, folclores? Provavelmente.    

Foto: Divulgação

Uma coisa curiosa, é de que as suas trilhas se dividiram nesse projeto, sendo ele composto por dois volumes com estilos diferentes (cantadas e incidentais), o que o levou a tomar essa decisão?

Foi uma solução para não tornar a experiência de audição do disco – coisa rara hoje em dia – muito fatigante. Queria lançar as canções cantadas e as instrumentais como uma unidade e me pareceu esquisito misturar esse conteúdo artístico em um único rolo.

Como você se definiria? Nos conte um pouco quem é André Paixão?

Tem um lugar bem humorado e brincalhão que desenvolvi na infância, pois consumia arte desde cedo e, de certa forma, isso começou a fazer parte. Quase me dominou, mas luto para controlá-lo. Tem um lugar de timidez, que muita gente duvida, porque não me conhece. E tem o lugar principal que é o do cara que acredita que nada é tão impossível de ser realizado de forma plena desde que haja amor pleno.

Como foi realizar essa composição onde o volume 1 é composto de músicas em inglês e o volume 2 conta com uma viagem sonora instrumental guiada por você?

Curiosamente, como estava trabalhando com prazo apertado, em muitos momentos, compus apenas trechos das canções, que serviram para contar a história. Durante a pandemia, consegui tempo para me organizar e reunir todos projetos originais e terminar as canções. O Volume 1 foi mais divertido pois convidei amigos como Marcelo Callado – que gravou bateria em três das seis faixas – para enriquecer. Virou um disco de canções autorais com a minha voz e da Karina Zeviani (em “My Perfect Life”).  

A arte pode ter diversos significados, elas podem ser diferentes de pessoa para pessoa. Em sua experiência artística, como você define a arte?

Minha sobrevivência e razão de ser. Ela me traduz e me salva. 

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